O molde da reeleição, com o alinhavo de privilégios, foi feito por encomenda dos tucanos para garantir, com o mínimo de riscos, o bis do mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. Portanto e preliminarmente, o PFL e possíveis aliados do nascituro candidato da oposição, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, não têm a mínima autoridade para reclamar das vantagens desfrutadas com a sem-cerimônia da mais descarada falta de ética, pelo presidente-candidato Luiz Inácio Lula da Silva e que, em parte, explicam o seu favoritismo nas pesquisas. Lula está à vontade para rebater as inevitáveis críticas dos adversários. Candidato que entra no jogo como azarão precisa bater firme para tentar reduzir a diferença e injetar ânimo nos correligionários. Com os exageros da arrogância de quem se considera o melhor em tudo, recordista mundial de sucessos, tem abusado até o deboche do uso da máquina do governo na campanha em tempo integral.
Como passa cada vez menos tempo em Brasília e é visto de relance no Palácio do Planalto onde reina a presidente de fato, ministra Dilma Rousseff, eficiente e enérgica no comando da rotina administrativa Lula perdeu a cerimônia, escorrega no cinismo para sustentar a farsa circense de que ainda não decidiu se será ou não candidato, não está à caça dos votos e apenas inaugura as obras, até buraco tapado nas estradas intransitáveis do maior governo de todos os tempos.
Na agenda eleitoral de anteontem, espremida entre as viagens internacionais, lançou, em Itabaiana, a pedra fundamental para a construção do câmpus da Universidade Federal de Sergipe, e, no improviso, afirmou que "nunca outro governo fez mais pela educação", passou pelo constrangimento de apupos e do apitaço organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra PSTU.
Percalços, não mais do que ciscos no roteiro de excelentes resultados do candidato com as despesas pagas pela generosidade da Viúva. Os números da pesquisa do Ibope, defasada com o lançamento da candidatura do governador Geraldo Alckmin, justificam os foguetes que pipocam na alma presidencial. Os índices das simulações do primeiro turno, em 1.° de outubro, carimbam uma vantagem de mais do dobro para Lula, com 43% de intenções de voto contra 19% do tucano, antes de indicado como candidato do PSDB.
Os percentuais do segundo turno, antes de conhecidos os finalistas, podem ser descartados como palpites. Mas, se a diferença é acachapante, convém manter os pés em terra e a serenidade nas análises.
Daqui até junho, quando terá que anunciar, para imensa surpresa da população, que disputará o segundo mandato, as oscilações das próximas e amiudadas pesquisas confirmará a linha ascendente ou o alerta de quedas e registrarão os indicadores do candidato Alckmin. Até lá, muita conversa definirá os blocos do governo e da oposição, o tamanho da cisão do PMDB e o final da novela do PFL para a montagem do quadro de candidatos.
Em mais dois meses e meio como único candidato em campanha, Lula dará tempo e o seu exemplo para que a opinião pública retoque o julgamento sobre a praga da reeleição, na segunda experiência da sua calamitosa existência.
Na inevitável reforma política, que deve começar a ser articulada tão logo as urnas anunciem, no primeiro ou segundo turno, a reeleição de Lula ou a vitória da oposição, as instituições serão passadas a limpo, para a raspagem da craca das mordomias, das vantagens, dos privilégios que agridem a sociedade com a exposição das desigualdades sociais e da decomposição moral do regime.
Com grande relutância, malhando uma no ferro e outra na ferradura, a Câmara dos Deputados saltita no fandango para intercalar cassações de deputados emporcalhados com a lama do mensalão e do caixa 2 com o perdão distribuído como guloseimas aos apaniguados. Da catinga da corrupção e da lixeira dos privilégios salta a evidência de mais uma discriminação: o parlamentar e suas mordomias, verba indenizatória, passagens e demais miçangas concorre à reeleição com vergonhosa vantagem sobre quem luta pelo mandato ao sol e ao sereno, paga as despesas de campanha com empréstimos e raspa as economias.
Os marajás dos mandatos executivos, do presidente a governadores e prefeitos só não se reelegem para mais quatro anos de bem-aventurança quando escorraçados pelo eleitor enganado, curtindo a amargura da frustração.
A reeleição é uma das heranças do oportunismo dos detentores de fatias do poder e que fazem qualquer coisa para não perder os proveitos lícitos ou não do acesso ao cofre sem fundo do tesouro público.