A Constituição Federal de 1988 confiou ao STF uma imensa gama de competência processual, poderes e esperança de solução dos problemas do país. O tribunal máximo recebeu poderes de corte constitucional, juízo instrutório de instância única para alguns tipos de processos e tribunal recursal de quarta instância para todas as questões criminais. Calha lembrar que a Constituição Cidadã, na ânsia de realizar progresso, foi pródiga em desatinos mágicos, como ao limitar os juros em 12% ao ano e aposentadoria pela média dos últimos 38 meses de remuneração, estes já descartados pela jurisprudência e pelo próprio Congresso Nacional.
A competência avassaladora outorgada atrai para a Corte Suprema por volta de 70 mil processos por ano, exigindo do tribunal um trabalho descomunal. No primeiro semestre de 2023 foram mais de 50.647 decisões, sendo 42.207 monocráticas e 8.440 colegiadas (plenário e turmas), uma média de mais de 90 mil decisões por ano. A Suprema Corte americana julga por volta de 100 processos por ano, a alemã (16 juízes) 6.200, a italiana 300 e a francesa 200. Os números do STF revelam um despautério. Será que o mundo está errado e só o Brasil está certo?
O Brasil fez uma reforma tributária quase impossível, pode e deve também fazer uma reforma no Judiciário.
Olhando para os números de decisões do STF, parece que está tudo certo, tudo resolvido, mas não está. Por trás dessa performance numérica exponenciada por esmagadora maioria de decisões repetitivas, há um atraso monumental de questões de importância nacional e fundamentais esperando, encalhadas nesse turbilhão de processos. O atraso do STF em decidir questões nacionais espraia-se por todo imenso Sistema Judicial de quatro instâncias, fomentando fortemente o monstruoso volume de 80 milhões de processos judiciais, número também desastroso na comparação com as demais democracias do planeta.
Como exemplos da nocividade causada pela demora do STF, entre tantos, cita-se a chamada "tese do século", um bolsão de processos de restituições tributárias, estimado acima de R$ 300 bilhões, que chegou ao STF em dezembro de 2007 e foi julgado definitivamente em setembro 2021, portanto, 14 anos de demora; crédito de insumos no PIS e Cofins, com impacto estimado de R$ 200 bilhões, chegou ao STF em 2014 e foi concluído em fevereiro de 2023; ICMS seletividade, alíquota maior para telecomunicações e energia elétrica, contra lei estadual de 1996, que chegou ao STF em 2012 e só foi julgado em dezembro de 2021.
Como se vê, o tamanho da dívida a ser paga pelo poder público é diretamente proporcional à demora do STF para julgar a causa. Caso o STF julgasse as grandes controvérsias nacionais em prazos razoáveis, máximo de 1 a 2 anos, cumprindo a exigência constitucional de eficiência e a urgência incontornável da modernidade que estamos inseridos, a situação dos pagamentos públicos e precatórios seria muito melhor, além da segurança jurídica decorrente para todo o sistema legal e uma forte redução do número de processos repetitivos que entulham o sistema judicial.
O STF é a cúpula de um dos três poderes do Estado, com função de garantir o cumprimento da Constituição e pacificar a sociedade com justiça e eficiência. O seu modelo de funcionamento deve ser compatível e adequado para essa função. A história do STF, mesmo com o trabalho exaustivo de seus ilustres ministros, não será positiva, se continuar centrada na manutenção de seu imenso poder, desconsiderando as necessidades da sociedade brasileira. O STF precisa urgentemente transferir competências processuais e otimizar seu tempo para julgamento rápido das grandes questões nacionais.
Mesmo sendo uma obviedade, a elite jurídica, salvo raríssimas exceções, não tem apontado, enfrentado e criticado esse problema estrutural, a disfuncionalidade evidente do modelo da cúpula judicial, que tanto atravanca o desenvolvimento do país. Vai ficando registrado nas entrelinhas da história que a manutenção de um Sistema Judicial altamente burocrático, quatro instâncias de julgamento, dezenas de recursos, STF lento, bolsões de demandas judiciais fáceis, repetitivas e rentáveis, parece coincidir com interesses inconfessáveis daqueles que podem mudar essa situação. O Brasil fez uma reforma tributária quase impossível, pode e deve também fazer uma reforma no Judiciário. Resta ao povo brasileiro despertar e cobrar, pelos meios democráticos.
José Jácomo Gimenes, juiz federal e professor aposentado do Departamento de Direito Privado e Processual da Universidade Estadual de Maringá.
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