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Opinião 1

Moliére em Brasília

Durou dois dias a crise institucional provocada pela visita do ex-presidente Lula ao escritório do agora advogado Nelson Jobim e pela conversa que lá teria mantido com o ministro do STF Gilmar Mendes. O incêndio parecia de grandes proporções e logo foi abafado, como geralmente acontece neste recanto avesso a situações intensas e purgadoras.

O encontro ocorreu em 26 de abril, foi noticiado precisamente um mês depois (no último fim de semana), ganhou as manchetes quando o magistrado confirmou que havia sido sutilmente intimidado pelo ex-chefe da nação, que lhe mostrou os inconvenientes de julgar o escândalo do mensalão antes das eleições e, em seguida, insinuado que Mendes poderia ser enredado na CPI do escândalo Cachoeira em função de uma suposta relação com o quase ex-senador Demóstenes Torres.

Na condição de ex-presidente, livre de mandatos e ritos, Lula da Silva pode encontrar-se com quem queira, cidadão como outro qualquer. Mas deve respeitar convenções, conveniências, comedimentos, composturas: ir ao escritório de um advogado para encontrar-se com um membro da corte suprema é decididamente impróprio para um ex-chefe de Estado.

Igualmente impróprio foi o comportamento do anfitrião, Nelson Jobim, promotor do encontro e que, diante da gritante divergência de versões sobre o que foi falado, adotou tão desastrada discrição que só agravou as suspeitas sobre o real objetivo do tête-à-tête.

A conhecida vaidade de Gilmar Mendes toldou a sua perspicácia e levou-o a aceitar o convite de um político sagaz, persistente e que assumiu publicamente o compromisso de desmantelar "a farsa do mensalão". Esperava que Lula lhe pedisse conselhos sobre a crise europeia?

O presidente Lula é uma figura extraordinária, dono de uma fulgurante trajetória, mas imoderado nas percepções sobre a trajetória dos outros. Acha que os deuses lhe oferecem prendas que recusam aos demais. Sente-se infalível, pode tudo.

Tem errado muito: certo de que é capaz de eleger um poste, dividiu seus companheiros e está queimando um quadro de valor, seu ex-ministro Fernando Haddad. Confiando na boa estrela, forçou a sua base no Congresso a criar uma CPI para investigar Carlos Cachoeira e as conexões com a oposição; agora, a investigada será a empreiteira Delta, maior beneficiária do PAC. Seguro da sua competência ao volante de bulldozers, anunciou aos quatro ventos que, depois de eleger a sucessora, iria desmascarar a farsa do mensalão. Errou crassamente quando começou a manobrar para adiar o julgamento no STF.

O encontro com Gilmar Mendes sob o patrocínio de Nelson Jobim não foi um encontro "republicano", foi uma tríplice exibição de manhas. Nenhum dos magníficos personagens é sonso, mas pretendiam inocentemente passar por tal. Não pressentiram a presença de Moliére, genial criador de Tartufo, pai do tartufismo, denunciador de fingimentos religiosos e políticos. Os três contavam com as portas trancadas, quatro paredes e um tirada inesquecível do comediógrafo francês: "Não há pecado algum quando se peca em silêncio".

Gilmar Mendes abriu o bico e todos ficaram mal no filme.

Alberto Dines é jornalista.

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