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Monarquia e democracia como opostos não faz sentido no contexto brasileiro

Detalhe da foto oficial da coroação de Elizabeth II, em 2 de junho de 1953. (Foto: EFE/EPA/Cecil Beaton)

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Primeiramente, vamos tirar os espantalhos do debate. O “Fla x Flu” que é feito hoje no debate público com conceitos como: direita X esquerda; fascista X antifa; comunista X liberal; democrático X tirano etc., não faz sentido. No final das contas, buscamos uma classificação fácil para estabelecer quem é o herói e o vilão, quase como uma criança que questiona o adulto num filme de ação: “mas, afinal, para quem eu tenho que torcer?” O problema é que essas classificações mais atrapalham do que ajudam. Em uma realidade complexa, cheia de nuances, na qual as mudanças acontecem de forma rápida, os players que outrora estavam em lados opostos agora se abraçam e votam juntos. Como colocar essa realidade em caixinhas estáticas se eles continuam se movimentando?

Acredito que, para termos o nível mínimo de compreensão sobre os temas democracia e monarquia precisamos nos desarmar, pelo menos, por alguns segundos, pensando a priori: O que a monarquia não é; o que a democracia não é; e, mediante a sua interação, como podem trazer alguma vantagem para um sistema político qualquer ou para o Brasil.

Uma democracia saudável deve servir como meio para a diminuição e contenção de poder.

Após 70 anos de reinado da rainha Elizabeth, o tema monarquia volta à tona. Existe certa correlação que virou senso comum, pelo menos na elite brasileira, de que monarquia é sinônimo de retrocesso, passado e desigualdade social. Portanto, uma forma de organização política que foi, corretamente, ultrapassada e aperfeiçoada pela república.

Ora, vale a pena analisar alguns exemplos de monarquias pelo mundo afora. Inglaterra, Austrália, Nova Zelândia, Canadá, Bélgica, Dinamarca, Luxemburgo, Países Baixos, Noruega, Suécia, Japão, Liechtenstein, Mônaco e Vaticano são alguns exemplos de países que possuem alguma relação (com mais ou menos poder do rei) com a monarquia. Dentro dessa lista, estão países na lista de melhor IDH e melhor PIB per capita do mundo. Se, de fato, esses países ainda optam pela monarquia, é possível que essa instituição tenha alguma relevância no sistema de freios e contrapesos, na continuidade de uma boa política pública e na manutenção da tradição que deu certo ao longo do tempo.

Agora, é válido explanar o que a democracia não é, por mais óbvio que possam parecer as afirmações que serão feitas. A democracia não é a melhor invenção já feita na história da humanidade; não é inquestionável; não é uma religião que possui dogmas imutáveis (democracias podem mudar com o tempo); não é garantia de respeito às liberdades individuais; e não é sinônimo de prosperidade e liberdade.

Existe uma área da economia chamada Public Choice (Escolha Pública) que busca entender as regras da política democrática como ela é, e não como ela deveria ser. Aqui, citarei três falhas clássicas de governos descritas pela Escolha Pública, que se correlacionam com um sistema democrático: 1) o problema da informação, o uso do conhecimento na sociedade; 2) miopia política e 3) ciclo político.

De forma resumida, os três problemas estão relacionados, em maior ou menor grau, com a tendência pela preferência intertemporal dos políticos pelo presente em detrimento do futuro. Esta frase de Keynes representa bem essas falhas: "no longo prazo, todos estaremos mortos". Adaptada à nossa realidade política, no longo prazo não estaremos mais eleitos, não teremos mais mandatos, então façamos hoje tudo para conquistar o nosso eleitor hoje. Conclusão: políticas de curto prazo tendem a ser favorecidas nas democracias representativas.

Na obra O espírito das leis (1748), Montesquieu busca repartir o poder do tirano em três poderes: Legislativo, Judiciário e Executivo. Assim, um poder poderia reter os excessos dos outros, formando o tão conhecido sistema de freios e contrapesos. Um ponto de reflexão é que já se passaram 300 anos do surgimento do sistema tripartite proposto por Montesquieu. O Estado brasileiro, apesar do seu crescimento, não parece ter evoluído na mesma proporção para conter o poder dos governos em relação aos seus súditos.

Dividir o Poder Executivo em chefe de Estado e chefe de governo, sendo o chefe de Estado, o monarca, responsável pela continuidade, quem tentará ponderar o longo prazo com o curto prazo, reduzindo assim a falha de governo? Essa continuidade pode ser entendida no contexto econômico como maior previsibilidade, menores mudanças políticas e, por consequência, diminuição do risco país, por exemplo.

O ponto mais importante aqui não é a “conversão” do leitor à monarquia, mas fazer uma reflexão sobre o sistema de freios e contrapesos da república brasileira. Sem dúvida, há muitos questionamentos a respeito da contenção do poder judiciário, poder executivo e harmonia entre os poderes. Talvez, a forma que pensamos o Estado brasileiro hoje, com as instituições que existem até aqui, não seja o suficiente para as exigências e a harmonia entre os poderes.

Uma democracia saudável deve servir como meio para a diminuição e contenção de poder. Em algum momento, num futuro próximo, devemos aprofundar o debate sobre o papel das instituições, se elas conseguem responder satisfatoriamente e propor soluções que visem valorizar a continuidade e a liberdade do povo brasileiro.

Marcos Chaves Gurgel, engenheiro agrônomo e economista, é trainee do IFL-SP e refundador do Insper Liber.

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