Já disse neste mesmo espaço e repito: entendido fora de seu contexto, qualquer livro – até a Bíblia – pode ser acusado de várias coisas indefensáveis, mas, antes que os zelotes do politicamente correto consigam finalmente proibir a leitura dos livros de Monteiro Lobato, privando as crianças do maior autor de literatura infantil e os brasileiros de conhecer os pensamentos de um patriota combativo, vou dar uma sugestão: a leitura de Caçadas de Pedrinho não deve ser proibida; ao contrário, deveria ser tornada obrigatória para os governantes.

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Explico: Caçadas de Pedrinho é recheado de ironias contra a burocracia estatal, que não para de crescer. No livro, o rinoceronte Quindim foge de um circo e se refugia no Sítio do Picapau Amarelo, e o governo imediatamente cria o Departamento Nacional de Caça ao Rinoceronte, "com um chefe, 12 auxiliares muito bem remunerados, diversas datilógrafas e encostados". Os caçadores se esforçavam em não cumprir o objetivo do Departamento, pois isso significaria extinguir o órgão e deixá-los sem emprego, mas empregavam métodos científicos e faziam grandes investimentos para perseguir o paquiderme. "Pedrinho estava assombrado da esperteza daqueles homens. (...) Muitos rinocerontes já haviam sido caçados desde que o mundo é mundo, mas nenhum seria caçado tão caro e com tanta ciência como aquele. Apesar de nunca saídos daqui, tais homens bem que podiam mudar-se para a África, a fim de ensinar aos negros do Uganda como é que se caçam feras...". E eram oniscientes: "Não discuta os nossos processos, menina impertinente – disse com cara feia o detetive X B2 a Cléo, amiga de Narizinho – O governo sabe o que faz."

Os governantes parecem ter uma compulsão em criar mais e mais estruturas administrativas como se – por um passe de mágica – os problemas que supostamente elas irão resolver desaparecerão. Nesse processo, as estruturas governamentais não param de inchar e, não sejamos ingênuos, as oportunidades de acomodações meramente político-eleitorais junto com elas.

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O governador de São Paulo acaba de acrescentar uma inovação surrealista: criou uma Assessoria Especial com status de secretaria de Estado para promover a aceleração dos projetos e obras das outras secretarias... Ora, das duas uma: ou os secretários atuais não estão à altura do que fazem e necessitam ser cutucados para fazê-lo a tempo e a hora, ou o governador não entendeu que quem cutuca (e eventualmente substitui) seus auxiliares diretos é ele próprio...

Aqui no Paraná a multiplicação de secretarias, secretarias especiais e assessorias especiais virou uma prática habitual e vários assuntos têm hoje mais de um responsável. Como pode existir uma Secretaria de Planejamento que não pense estrategicamente? No entanto, temos uma outra secretaria "de Assuntos Estratégicos" para supostamente fazer exatamente isso... Que significa ter uma "Secretaria de Relações com a Comunidade" quando tudo o que um governo faz é relacionar-se com ela? E agora teremos uma Secretaria de Chefia de Gabinete do Governador e uma Secretaria de Governo, além da Casa Civil.

Vai ver quem tem razão é o Detetive X B2: "Não discuta os nossos processos, velho implicante. O governo sabe o que faz, torno a dizer".

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.