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Opinião do dia 1

Moradia é mais que um abrigo

A cidade, ao permitir a especulação imobiliária nos seus principais eixos de desenvolvimento, faz com que os curitibanos, principalmente os que moram nas periferias, tenham a vida encarecida

Morar na cidade não é apenas uma questão de abrigo. Não se trata apenas das condições físicas da moradia. Se assim fosse, as pessoas não sairiam das pequenas cidades para migrarem para as maiores – mesmo que não tenham moradias apropriadas. A mudança para as cidades maiores ocorre porque as pessoas sabem que é aí onde está uma maior oferta de oportunidades, em especial de trabalho, mas também de educação – e, consequentemente, de melhoria da qualidade de vida para a sua família. Onde a pessoa mora diz muito a respeito de quem ela é; e, principalmente, quem ela pode vir a ser. A melhoria de vida de uma família depende do acesso que ela tem a equipamentos de saúde, à diversidade cultural, à qualidade de instituições públicas e privadas educação, e mesmo à variedade de oferta de comércio e serviços.

O trajeto em uma única linha de ônibus em Curitiba mostra essa diversidade. Tome a linha de Santa Cândida ao Pinheirinho e verá algumas das diversas cidades que formam Curitiba. Siga mais alguns poucos quilômetros ao Sul. Verá ainda uma outra Curitiba e não restará dúvidas: onde você mora é muitas vezes mais importante do que em quê você mora.

Curitiba pensou sobre isso nos anos 1960, e nos anos 1970 implantou o sistema de ônibus em corredores, e fez com que apenas ao longo dos corredores fosse possível um maior adensamento populacional, com a construção de edifícios altos. A ideia era simples e inteligente: colocar mais gente morando junto aos eixos de transporte permitiria, de um lado, viabilizar a operação de um transporte de massa, que depende de um número grande de passageiros; e de outro faria com que mais pessoas fossem favorecidas pelo sistema.

Nesse mesmo período, a cidade conheceu um crescimento populacional intenso e houve uma ocupação das áreas periféricas da cidade, muitas vezes de forma irregular. Eram pessoas que não tinham dinheiro para comprar um apartamento junto aos eixos. E a cidade foi crescendo para onde não deveria.

Esse crescimento urbano é em grande medida fruto de migrações nacionais e estaduais. Ou seja, a cidade não tem "culpa" de oferecer mais oportunidades do que as cidades de origem. O problema de habitação é sentido localmente, mas tem como causa má distribuição de renda e investimentos públicos em escala nacional.

Curitiba, ao mesmo tempo em que implantava um sistema de ônibus que induziria a ocupação ao longo de eixos viários, via sua periferia crescer sem ter acesso a esse sistema. E essas ocupações irregulares são muitas.

A cidade busca proporcionar moradia para essa população. Porém, ao analisar onde os programas públicos de habitação implantam seus projetos, Karla Bialecki notou que a lógica geral é substituir uma ocupação irregular por um conjunto residencial regularizado, ou criar conjuntos residenciais próximos a essas ocupações, portanto também na periferia da cidade.

É verdade que o preço da terra nessas áreas periféricas é mais baixo, o que possibilita que seja comprada para a implantação dos conjuntos habitacionais. Porém, se esses programas dão moradia a essas pessoas, ainda lhes deixa distante da cidade. Se não há a diversidade e possibilidades de crescimento da vida urbana, a alternativa é se deslocar pela cidade, de ônibus. Mas isso é caro para essas famílias.

Ainda no trajeto de Santa Cândida ao Pinheirinho, repare que há centenas de lotes desocupados, ou pequenas casas. Por que tantos lotes vagos onde deveria haver intenso adensamento populacional para que fossem beneficiados pelo transporte público? Porque a terra aí é cara. E porque a cidade, não tendo implantado um sistema legal que obrigasse os proprietários a construírem nos seus lotes, ou lhes cobrasse impostos crescentes se os deixasse vazios, propiciou uma forte especulação imobiliária junto a esses eixos.

Temos, assim, vastas áreas ainda desocupadas em regiões da cidade com oferta de equipamentos públicos, comércio, serviços e postos de trabalho, enquanto justamente os trabalhadores dessas regiões precisam gastar horas diárias, e dinheiro, para chegar ao trabalho. Esse desequilíbrio é caro para esses moradores, e caro para a cidade, que precisa ampliar as linhas de ônibus e fornecer infraestrutura em áreas periféricas enquanto regiões mais centrais não estão totalmente povoadas.

A cidade, ao permitir a especulação imobiliária nos seus principais eixos de desenvolvimento, faz com que os curitibanos, principalmente os que moram nas periferias, tenham a vida encarecida. Ou seja, mais uma vez, são as pessoas mais pobres as que financiam aqueles que podem especular com a infraestrutura e serviços públicos.

Fabio Duarte, arquiteto e urbanista, é professor da PUCPR.

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