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Por que a ideologia comunista atrai tanta gente? Todo jovem romântico tem de ser comunista por um período de sua vida, do contrário não viveu a juventude. Existe uma aura de virtude em torno do esquerdismo que confunde as pessoas. Essa aura não se espalha só por meio do pseudo-heroísmo de seus ícones, como o glamour do facínora Che Guevara, que decorou minhas camisetas quando jovem, mas é a própria definição de justiça que uma análise superficial de Marx nos conduz a fazer. As políticas públicas praticadas por servidores socialistas parecem ser mais nobres, porque aparentemente “contemplam os pobres”. O socialista é sempre visto como quem governa com mais compaixão, enquanto a direita tem a pecha de política rígida e desumana.
Mesmo aqui nos Estados Unidos, país que se beneficiou, mais que qualquer outro no mundo, do pragmatismo da política conservadora e da economia liberal, a lavagem cerebral produzida pelas universidades está conseguindo distorcer o que era antes senso comum.
Vamos analisar o problema da população de rua. Agora ficou mais e mais normal a visão de pessoas jogadas pelo chão das grandes cidades americanas, pedindo esmolas, dormindo, vivendo uma vida de abandono nas ruas, como é corriqueiro vermos no Terceiro Mundo. A cidade de Los Angeles foi uma das pioneiras em estabelecer a política pública da “compaixão” com os mendigos de rua. E essa falsa compaixão se traduz na permissão formal para que essas pessoas privatizem o espaço público. O famigerado “Skid Row”, que se resumia a duas ou três quadras na parte central da cidade onde se acomodavam cerca de 5 mil “moradores”, acabou se espalhando por mais de 15 quadras. O centro e outros locais que antes eram cult, frequentados por jovens e pela elite cultural, como a praia de Venice, se tornaram espaços “privados”, um verdadeiro “bairro” de sem-teto onde se acomodam alcoólatras, drogados e pessoas com problemas mentais, além dos que se encontram circunstancialmente em estado de pobreza que os impede de alugar um espaço para viver. A estimativa é de que sejam pelo menos de 44 mil a 60 mil pessoas hoje vivendo de alguma forma nas ruas da cidade, seja em carros, tendas ou em coberturas improvisadas de papelão. Essas pessoas estão acima da lei e da ordem, já que muitos desses espaços são impossíveis de serem devidamente policiados.
O mesmo acontece com São Francisco. A cidade que era chamada de “Cidade Dourada” agora faz mais jus ao título de “Cidade Drogada”. Não se pode andar por certas áreas da cidade sem que se pise em seringas descartáveis jogadas pelo chão, junto com lixo e excrementos. Sem falar na degradação física das pessoas que vivem por lá, que parecem ter saído do videoclipe Thriller, de Michael Jackson. Nova York está no mesmo caminho. Eu, que recentemente me mudei para o Brooklyn, estou aprendendo a duras penas quais são as ruas onde posso ir caminhando distraidamente e as ruas nas quais tenho de ressuscitar meu instinto de brasileira pra me proteger da violência, ou simplesmente para desviar da sujeira.
O que complica tudo é que a opinião pública se inclina no sentido de permitir a ocupação das ruas. A política humanitária e cheia de compaixão é deixar a miséria ocupar ostensivamente as ruas em vez de pensar em alternativas para ajudar pessoas a saírem delas. A remoção até dos mentalmente incapacitados, que correspondem a 55% dessa população segundo estatísticas, é considerada desalmada, uma solução capitalista que prejudica os mais pobres e vulneráveis para beneficiar os “ricos”. E por “ricos” entenda-se todos aqueles que não moram nas ruas, mas precisam dela na sua lida diária. Essa é mais uma das ilusões contrárias à realidade que acabam sendo aceitas como axiomas porque são repetidas ad nauseam pela mídia extrema e pela academia. Você é uma pessoa boa e justa quando permite que o doente mental tenha uma existência miserável, deitado sobre seu próprio excremento, sujeito às intempéries, e é uma pessoa sem coração se advoga o uso programas que permitam sua internação em instituições que lhe garantirão alimento, limpeza e cuidado médico.
A lavagem cerebral produzida pelas universidades está conseguindo distorcer o que era antes senso comum.
Um estudo recente demonstrou que o gasto público em Los Angeles com os moradores de rua é de cerca de US$ 83 mil anuais por indivíduo, enquanto o gasto com aqueles que são alojados se reduz para US$ 19 mil ao ano. E essa conta simples nem considera a desvalorização imobiliária de áreas imensas, a insegurança e o desconforto para as pessoas que precisam utilizar o espaço público agora privatizado pela miséria. Custa mais caro, para a sociedade como um todo, permitir o sofrimento do que aliviá-lo. Custa mais manter a miséria e o desespero do que injetar esperança e dignidade na vida dos moradores de rua por meio da realocação ou – Deus me livre! – da internação compulsória de incapazes.
Não preciso explicar aqui que a esquerda se beneficia imensamente com a perpetuação da miséria. Os zumbis das ruas de Los Angeles alimentam a indústria riquíssima da militância social. Centenas, talvez até milhares de ativistas instrumentalizam a degradação dessa população para seu ganha-pão. Além disso, eles fornecem munição pesada para os que precisam da desgraça como plataforma política. Como diz o sábio Thomas Sowell, quem tem menos interesse na diminuição da pobreza são os ativistas e os políticos que “lutam” pelos pobres. Se a pobreza acaba, acaba também a sua fonte de lucro, de inspiração e de votos.
No Brasil, a conversa assume uma ambiguidade complicada, além da ambiguidade moral. A direita brasileira ainda está nas fraldas, mas já demonstra uma certa birra contra políticas de proteção aos incapazes. Talvez essa indisposição à assistência social seja uma reação ao abuso e à perversidade política que fez uso da “compaixão” no Brasil por tantas décadas. A “redução de danos” virou um apelido para “viver na gandaia à custa do dinheiro público”. Muitos que se dizem liberais ou conservadores acreditam que dinheiro público não pode ser gasto com construção de abrigos ou residências de transição para a população de rua. Para muitos, tudo o que é assistencialista é obrigatoriamente socialista. A repulsa ao assunto é compreensível. Mas, observando a catástrofe na qual se encontram Los Angeles, São Francisco e Nova York, tenho de admitir que o abandono da população de rua à sua própria sorte só beneficia à esquerda. Seria bom que essa gente entendesse que, sem a intervenção do governo, cancros sociais como o da Cracolândia, em São Paulo, acabam se tornando uma doença terminal que pode levar à morte zonas inteiras da cidade e, com ela, a sua economia e esperança em um futuro diferente. Políticas de compaixão não podem ser tratadas como tabu na direita. Têm de ser repensadas com inteligência por aqueles que querem o bem do país e não apenas a perpetuação da miséria para ganho pessoal.
Braulia Ribeiro é mestre em Linguística, mestre em Divindade pela Yale University e doutoranda em História e Teologia Política na University of St. Andrews (Escócia).