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Como quem pisa em folhas secas caídas de uma mangueira, a Câmara e, mais cauto, o Senado não entoam o samba eterno de Nelson Cavaquinho na exaltação da sua Estação Primeira, mas, sassaricam na marchinha de pés quebrados dos primeiros atos de resistência da campanha de moralização do Congresso.

Com as sabidas espertezas, o novo presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), empurra as medidas iniciais na faxina para restaurar a respeitabilidade do Congresso, manchada pelos desatinos e escândalos da legislatura finda, com os inevitáveis abatimentos impostos pela resistência da imensa maioria que se abriga à sombra do acampamento do baixo clero nas últimas bancadas do plenário.

Espremido entre as cobranças da opinião pública e o corporativismo parlamentar, a dedetização em regra encolheu para a varredura que esconde o lixo debaixo do tapete.

No número preparado para atrair a atenção da sociedade, a Câmara aprovou a extinção de 1.050 cargos de natureza especial de confiança (CNEs), com o bimbalhar dos sinos comemorando a economia de R$ 40 milhões dos R$ 117 milhões dissipados no festival da gastança.

Limpas as lentes da miopia, a burla em cadência de farsa expõe a manobra para enganar o distinto público. Para começo de conversa, a extinção foi um ato simbólico, o enterro de defunto mumificado, esquecido num canto do porão desde outubro do ano passado, na presidência do deputado Aldo Rabelo (PC do B-SP).

O patusco da promoção provocou reações curiosas, como do deputado João Almeida (PSDB-RS), que protestou contra a timidez da simples extinção de cargos já sacrificados na meia-sola da moralização com descontos. Sobraram, intactos e saudáveis, 1.317 CNEs para a distribuição entre os donatários de cargos na Mesa Diretora, suplentes e líderes de partidos. E vamos tropicando em absurdos indecorosos: os integrantes da Mesa são aquinhoados com 33 CNEs, a papoula das mordomias, para a distribuição com os cabos-eleitorais, cupinchas e a gulosa e insaciável parentela.

Os suplentes não têm razões de queixa. Para a única atribuição de substituir o titular dispõem de 11 sinecuras de ordenha permanente.

A remuneração dos CNEs, cargos de confiança preenchidos sem a impertinente exigência de concurso e borrifados com os agrados mensais que pendulam entre R$ 1,5 mil, para os atendimentos da caridade da rotina política aos R$ 8,2 mil, que não são de jogar fora. Obrigação mesmo, só a de assinar ponto. Mesmo porque se todos comparecerem, não cabem em pé na maioria dos gabinetes privativos dos benévolos chefes.

As mais de mil, exatamente 1.315, CNEs poupadas pelo corte moralizante têm dono. Além dos integrantes da Mesa Diretora, a fatia dos partidos é sedutora: o PMDB e o PT, com 81 deputados cada um, dispõem de 134 vagas; o PSDB de 115; partidos nanicos, de 24. E por aí vai a feira livre das mordomias.

Ora, a Câmara e o Senado dispõem de quadros de servidores efetivos, de alta qualidade e dedicação, aprovados em severos concursos públicos e que atendem as exigências da rotina parlamentar reduzida a dois ou três dias úteis. E se ainda falta gente para adornar os 81 gabinetes de senadores e os dos 513 deputados, a única saída decente é a realização de concurso.

Certamente não é o caso. E é só esperar para conferir. Queimada a palha do entusiasmo da estréia da nova sessão legislativa, as duas Casas retomarão a normalidade dos plenários vazios, dos corredores fantasmas com a carga pesada nos ombros da escassa minoria que carrega o fardo.

Depois, o governo não tem pressa nenhuma. Pois se o presidente Lula sequer inaugurou o segundo mandato com a montagem do Ministério para o bis, por que o Congresso deve mudar os seus hábitos de quem sabe gozar a vida?

O Congresso segue à risca a sabedoria baiana: roga que o poupem, que ninguém é de ferro.

Villas-Bôas Corrêa é analista político.

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