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Na longa lista dos derrotados pela decisão do STF sobre fidelidade partidária, o primeiro é o presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia (PT-SP). Ao recusar a histórica decisão do Tribunal Superior Eleitoral que em março passado confirmou o princípio da fidelidade partidária, Chinaglia abriu caminho para os mandados de segurança do PSDB, PPS e DEM afinal acolhidos pela suprema corte nesta quinta-feira.

A opção do presidente da antiga Casa do Povo seguiu a linha ostensivamente corporativista e fisiológica daqueles que o precederam ultimamente – João Paulo Cunha, Severino Cavalcanti e Aldo Rebelo.

Em favor do médico Chinaglia é preciso ser dito que não é um vilão como o seu parceiro do Senado, Renan Calheiros. A conduta pessoal é irrepreensível, mas o comportamento institucional é altamente questionável. Sua prioridade maior é a manutenção dos privilégios dos deputados, a segunda preferência decorre da primeira: o atendimento rigorosamente acrítico das necessidades do Executivo. O interesse público aparece em último lugar. Quando aparece.

Este conjunto de prioridades e omissões comandou não apenas a sua absurda resistência à decisão do TSE como levou-o a aventar, dias antes do julgamento no STF, a possibilidade de uma rebelião da Câmara caso os supremos magistrados decidissem pela cassação dos mandatos de todos os deputados que trocaram de partido desde o início da atual legislatura.

A fragorosa derrota de Chinaglia por oito a três no Supremo e o repúdio imediato de alguns magistrados à tentativa de subversão da ordem jurídica colocam o presidente da Câmara como perdedor-mor na questão da fidelidade partidária.

É imperioso levar em conta que o troca-troca é o pecado original de um sistema político corrompido, viciado e perverso. Os partidos de aluguel só existem, sobrevivem e proliferam para catapultar a cooptação de deputados para as hostes majoritárias. O baixo-clero que topa qualquer negócio e denigre o nosso parlamento é o filho bastardo de uma infidelidade que não é apenas partidária, mas essencialmente moral.

No relatório do procurador-geral da República, aliás desfavorável à cassação dos infiéis, o troca-troca foi literalmente designado como anomalia. A mudança de partido do eleito deve ser obrigatoriamente sancionada pelo eleitor. Antes da votação. Depois, será anomalia. Anomalia é irregularidade, irregularidade é defeito, defeito é deformação. Um sistema anômalo deve ser obrigatoriamente corrigido porque é imoral, portanto antidemocrático.

Ao longo do último quarto de século, a equação moralidade=democracia, engenhosa e simples, serviu como mola propulsora do Partido dos Trabalhadores e projetou-o em todas as esferas da sociedade brasileira. Tirou a ética das inalcançáveis prateleiras acadêmicas e colocou-a no mundo real, das opções cotidianas, onde pode ser percebida, aferida e/ou denunciada.

A atual resignação às "anomalias" converteu-se numa despudorada convivência com irregularidades. Tornou nosso Legislativo a central da hipocrisia e do cinismo quando admite com naturalidade as aberrações que comprometem o decoro e a representatividade.

Ao impor novos paradigmas políticos e morais ao Congresso, o STF assume-se como referência única. Obrigou um Executivo que, na realidade, é o inspirador do "pragmatismo" e principal beneficiário da infidelidade partidária, a aplaudir sua sábia decisão.

Antes de ligar o rolo compressor, os cultores do realismo e do vale-tudo, doravante, deverão pensar duas vezes. Num dos recantos da Praça dos Três Poderes opera-se uma mudança, legítima, longamente ansiada. Vale a pena ser fiel a ela.

Alberto Dines é jornalista.

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