Nos últimos dias, muitos jornalistas e comentaristas americanos trataram da morte trágica de Atatiana Jefferson, uma estudante de Medicina de Fort Worth, no Texas, que morreu ao ser baleada na janela de casa por um policial que fazia uma busca dentro da propriedade dela. Se levarmos em conta os relatos de testemunhas e as filmagens do episódio, a morte de Jefferson foi o resultado do um desnecessário e totalmente evitável uso da força. O policial não seguiu o protocolo básico e transformou a situação em um encontro fatal que custou a vida de uma inocente. Aqui estão algumas reflexões sobre essa trágica perda.
Atatiana Jefferson agiu da forma esperada. A sua morte deveria preocupar qualquer um que tenha armas legalmente. Ela simplesmente fez o que a grande maioria de nós teria feito na mesma situação – e morreu por causa disso.
Baseando-nos na análise mais lógica da evidência disponível, a cena, do seu ponto de vista, se desenrolou da seguinte forma: Jefferson e seu sobrinho de 8 anos, de quem ela estava cuidando, pausaram seu jogo de vídeo-game depois de ouvir barulhos estranhos, indicando que alguém estava zanzando pela sua propriedade.
Ela não tinha como saber que aqueles supostos invasores eram, na verdade, agentes da lei. Ela não tinha chamado a polícia – na verdade, quem tinha feito isso era um vizinho, preocupado ao ver a porta da casa dela aberta. Não havia carros de polícia identificados como tais diante de sua residência, e os policiais não bateram à porta, nem anunciaram sua presença.
Jefferson quase que certamente imaginou o que a maioria de nós pensaria a respeito de gente que invade sua propriedade às 2 da madrugada – que essas pessoas têm más intenções, e devem estar buscando uma forma de entrar na casa. Em uma reação muito razoável, ela pegou sua arma, da qual tinha posse legal, antes de continuar investigando.
De arma na mão, ela tentou olhar pelas janelas de trás. Do lado de fora, ela viu um homem que não reconheceu, usando roupas escuras e segurando uma lanterna. Esse homem imediatamente apontou a arma para ela e gritou para que ela levantasse as mãos sem nem mesmo se identificar como policial.
Diante do que ela só podia imaginar como uma ameaça iminente à sua vida vinda de um criminoso, Atatiana Jefferson fez exatamente o que eu e a maioria das pessoas faria na mesma situação. De acordo com seu sobrinho, ela segurou a arma e apontou para fora da janela, provavelmente se preparando para eliminar a ameaça. Se ela tivesse atirado primeiro, matando o policial Aaron Dean, ela estaria completamente protegida pela legislação sobre legítima defesa. Infelizmente, sua ação totalmente justificável de autodefesa terminou com sua morte.
Quando exercemos nosso direito fundamental de ter e portar armas, não podemos jamais esquecer do dever correspondente: o de exercer esse direito de forma sábia e prudente
A acusação correta é a de homicídio. Dean pediu demissão da polícia após o episódio. O chefe de polícia de Fort Worth, Ed Kraus, disse que, se Dean não tivesse saído por conta própria, ele teria sido demitido por conduta não profissional e por deixar de seguir as regras da corporação relativas ao uso da força e resolução pacífica de conflitos.
Além disso, Dean foi preso e acusado de homicídio. O termo pode parecer uma descrição inapropriada do que muitos considerariam negligência ou irresponsabilidade, a lei texana indica que “homicídio” é a acusação correta – e provavelmente a única possível – neste caso. Inclusive, é a mesma acusação pela qual a ex-policial de Dallas Amber Guyger foi condenada no começo deste ano, em um caso de grande repercussão no qual ela foi presa e processada por matar Botham Jean.
Como eu mesma escrevi enquanto cobria aquele caso, de acordo com a lei do Texas, uma pessoa comete homicídio quando 1. pretende causar grande dano corporal e 2. comete um ato claramente atentatório contra a vida humana e que 3. provoca a morte de uma pessoa. Ao contrário do “homicídio qualificado”, que é um crime bem mais sério, o “homicídio comum” não exige que o réu tenha premeditado o crime ou agido com malícia. Está claro que Dean – como Guyger – puxou intencionalmente o gatilho de sua arma carregada – um ato que ameaça a vida humana – com a intenção de acertar Jefferson, e este ato a matou. Isso, segundo a lei texana, é homicídio.
A probabilidade de se alegar autodefesa é alta. Muitos lembraram semelhanças entre este caso e o de Amber Guyger, mas, se por um lado os fatos e o desfecho são mesmo similares, a realidade do ponto de vista legal é bem diferente. Não há dúvida de que ambos os policiais agiram mal, de forma absurdamente negligente, criando, ainda que sem a intenção, as situações em que se sentiram na obrigação de usar força letal. Tanto Dean quanto Guyger devem arcar com a responsabilidade moral, ética e profissional da morte de pessoas inocentes.
Mas existe uma diferença legal fundamental entre os dois casos, e que pode levar Dean a escapar da responsabilização jurídica, ao contrário de Guyger: Dean tem base para argumentar que agiu em legítima autodefesa. De acordo com a lei texana, um réu pode alegar autodefesa sempre que “estiver razoavelmente convencido de que é preciso usar imediatamente de força para (se) proteger contra o uso (por parte da outra pessoa), ou tentativa de uso, de força ilegal”.
Guyger não estava trabalhando, e disparou sua arma contra um apartamento escuro, onde havia uma figura não identificada que não lhe deu motivo razoável para ver nela uma ameaça imediata à sua vida. Dean estava em serviço, respondendo a uma chamada que poderia ter realmente sido um caso de invasão a residência, e disparou contra um indivíduo que havia apontado uma arma para ele. Em outras palavras, enquanto Dean e Guyger criaram desnecessariamente o cenário em que eles julgaram ser preciso usar força letal, no momento de puxar o gatilho apenas Dean tinha motivos legítimos para temer um dano iminente – qualquer um há de concordar que ter uma arma apontada para você gera um medo de morte ou lesão grave bastante compreensível.
Parece improvável alegar que Dean “abriu mão” de sua alegação de autodefesa ao “provocar” a situação. Por mais que ele tenha, de fato, sido o responsável por se colocar na posição de temer por sua vida, tratados sobre a lei texana indicam que, para afirmar algo assim, seria preciso que o réu tivesse criado a situação intencionalmente, para poder ter a chance de matar a vítima. Mas não há nada indicando que o fato de Dean ter falhado em seguir os protocolos fosse um pretexto para fazer Jefferson apontar uma arma contra o policial de forma que ele pudesse reagir e matá-la.
Deixemos claro aqui: isso não significa que Dean não fez nada de errado. Significa apenas que o sistema de justiça criminal talvez não dê à família de Jefferson ou ao estado do Texas um caminho fácil para responsabilizar Dean criminalmente pela morte de Jefferson.
VEJA TAMBÉM:
- A falácia dos desarmamentistas (artigo de Irineu Berestinas, publicado em 25 de agosto de 2018)
- Por que o decreto das armas foi um acerto (artigo de Antônio dos Santos Júnior, publicado em 22 de janeiro de 2019)
- As armas dos criminosos e a utopia do desarmamento (artigo de Bene Barbosa, publicado em 8 de março de 2015)
Lições sobre o uso de força letal. Há um famoso ditado, repetido com frequência entre donos de armas: é melhor ser julgado por 12 que carregado por seis. Basicamente, é dizer que, diante de uma ameaça imediata à sua vida, é melhor proteger sua vida usando força letal e depois ter de se explicar diante de um tribunal que não fazer nada para se defender e acabar morto.
Por mais que haja uma boa dose de verdade no ditado, há outra verdade que vemos reforçada pelas circunstâncias que envolveram Dean e seu papel na morte de Atatiana Jefferson: é melhor, antes de tudo, agir de forma sensata e evitar confrontos letais que ter de explicar a uma nação enfurecida por que uma jovem inocente morreu dentro da casa dela porque você agiu de forma irresponsável. Isso vale para agentes da lei, mas também para qualquer um que tenha uma arma.
A decisão de tirar a vida de alguém, mesmo sob a convicção de que é preciso fazê-lo para proteger a si mesmo ou a outros, é talvez uma das mais sérias decisões que uma pessoa pode tomar. Seja policial ou civil, quando você leva consigo uma arma letal, parte de sua responsabilidade ética e moral – para não dizer legal – é fazer tudo o que estiver a seu alcance para evitar criar as situações em que terá de recorrer à força letal. Isso inclui cuidados básicos contra identificações equivocadas de ameaças, bem como usar o bom senso para evitar que você mesmo acabe visto como ameaça.
Amenize tensões quando for possível. Pensar rapidamente não significa agir de forma precipitada ou ignorar medidas de segurança inconvenientes – isso foi o que, aparentemente, Dean fez, e uma jovem inocente morreu por causa disso.
Quando exercemos nosso direito fundamental de ter e portar armas, não podemos jamais esquecer do dever correspondente: o de exercer esse direito de forma sábia e prudente. Esteja armado, mas seja o seu melhor quando estiver armado, porque as vidas dos demais depende disso.
Amy Swearer é analista sênior de políticas legais no Meese Center for Legal and Judicial Studies da Heritage Foundation. Tradução: Marcio Antonio Campos.
© 2019 The Daily Signal. Publicado com permissão. Original em inglês.