De novo, nos deparamos com uma lamentável e inaceitável morte de policial militar, em serviço, na Baixada Santista. A vítima, desta vez, é o soldado Samuel Wesley Cosmo, surpreendido com um disparo à queima roupa, no rosto, sem qualquer possibilidade de reação ou de defesa, durante patrulhamento em Santos-SP.
O que torna ainda mais triste este episódio é que a família da vítima, representada por seu pai, também policial, perde o segundo filho para o combate ao crime. Em 2018, o soldado Kennedy Cosmo foi executado por marginais ao sair do Batalhão onde trabalhava, no ABC Paulista. Esta dupla tragédia ilustra bem a extrema gravidade do combate da sociedade à criminalidade.
A advocacia e a sociedade organizada não podem subtrair-se desta luta em face do crime que assola, não de hoje, nossas cidades.
Nessa perspectiva, no ano passado, foi deflagrada em São Paulo a chamada Operação Escudo. A ação foi motivada pela execução, também em serviço, do soldado Patrick Bastos Reis, no Guarujá-SP. Com um saldo de 28 mortos, entre julho e setembro de 2023, a iniciativa foi alvo de críticas por parte de alguns especialistas em segurança pública.
Ao mesmo tempo em que retoma a ofensiva na Baixada Santista, a gestão do governador Tarcísio Gomes de Freitas quer estender o alcance e os efeitos da ação em tela para outros pontos de São Paulo, com vistas à elevar o tom (com suas respectivas consequências) e confrontar a insegurança imposta por bandidos dos mais variados nichos.
É de se ponderar que, no bojo da ação realizada no litoral paulista no ano passado, a sociedade, e não apenas os especialistas, teve acesso a notícias e a relatos acerca das mortes enumeradas acima e que, a rigor, seriam fruto do enfrentamento e da reação do crime organizado frente à mencionada atuação policial.
Nesse contexto, a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) emitiu nota sobre o tema. A entidade, ao que se depreende do texto divulgado à época, condenou a atuação das polícias paulistas no Guarujá, sugerindo o cometimento de “violência policial”, ao passo em que classificou, já naquela ocasião, a Operação Escudo como ilegal e abusiva. A mesma lógica e postura foram adotadas por outras instituições e órgãos que defendem os direitos humanos no país.
É de se ressaltar que a Comissão de Direitos Humanos da OAB é ente permanente no Colégio de Advogados Paulista, exatamente em razão de sua relevância e das substanciais contribuições que já concedeu ao resgate e à manutenção do ambiente democrático. A mesma assertiva pode ser estendida a demais polos organizados em torno da temática do controle de abuso do poder estatal.
Contudo, no caso em apreço, tal condenação prévia é açodada. Ao “comprar” uma narrativa que admite, prematuramente, que as forças de segurança agiram de maneira ilegal, estamos diante de posição que, sumariamente, ignora uma das razões da existência da própria advocacia: lutar pelo devido processo legal e pelo amplo direito de defesa e do contraditório. Creio ser absolutamente correto exigir transparente e rigorosa apuração das circunstâncias em que os óbitos ocorreram, a partir da operação desencadeada pela Secretaria de Estado da Segurança Pública – todos, sem exceção. Na mesma medida, outras eventuais mortes decorrentes diretamente da extensão dos efeitos da iniciativa devem sofrer crivo judicial severo.
Todavia, acreditar que todas as baixas decorrem, necessariamente, da propalada “violência policial” é – para dizer o mínimo – adotar unilateralmente, “narrativa lacradora”, tão comum nos dias de hoje. Seria, ainda, admitir uma espécie de “apuração paralela”, como também se noticiou tempos atrás, e defender que a própria administração pública age de má fé e dolosamente.
Ora, é crível imaginar que a Corregedoria (Polícia Judiciária Militar) e a Polícia Civil estão colaborando com um suposto “extermínio”? Não acredito nesta hipótese. E mais: imaginar que eventuais erros cometidos por agentes de segurança do estado de São Paulo não possam ser devidamente apurados por meio dos canais institucionais de controle do poder é equivocado. É necessário compreender o momento agudo que vivemos. No entanto, é exatamente agora que precisamos nos agarrar à operacionalização do devido processo legal. Este é, antes de mais nada, o papel preponderante da OAB, que não pode se apequenar face ao desempenho de sua missão constitucional.
A advocacia e a sociedade organizada não podem subtrair-se desta luta em face do crime que assola, não de hoje, nossas cidades, cujo pressuposto, até prova em contrário, é que o Estado age dentro da lei.
Fernando Fabiani Capano é doutor em Direito do Estado pela USP; mestre em Direito Político; especialista em Direito Militar, em Segurança Pública, e em Defesa de Agentes Públicos; é professor de Direito Constitucional e de Direito Penal; e presidente da Associação Paulista da Advocacia Militarista (APAMIL).
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