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O povo Yanomami sofre. Esta notícia, denunciada há mais um ano pelas lideranças indígenas e movimentos sociais ligados a essa causa, chocou o Brasil. Entre os fatores do sofrimento estão principalmente a fome, doenças contagiosas, contaminação da água por metais pesados, ou seja, a ocupação de seu território pelo garimpo ilegal.
Por que o garimpo traz tantos malefícios para a população indígena do norte do país? A forma de subsistência da população Yanomami – relativamente isolada e habitante da floresta – é muito diferente dos indígenas que vivem nas cidades ou em regiões rurais. Normalmente, os povos da floresta sobrevivem da coleta e caça, seguindo costumes ancestrais. Ao invadir e explorar as suas terras, o garimpo traz o barulho e a derrubada da floresta, espantando a caça e reduzindo a área da coleta. As roças plantadas, no seio da floresta, são destruídas ou saqueadas pelos garimpeiros, por maldade ou fome.
As populações indígenas passam a ser dependentes do poder público para quase tudo, e ele atende, só que de forma lenta e insuficiente.
Os rios que são invadidos sofrem com o assoreamento e a contaminação de suas águas por metais pesados como o mercúrio, que é derramado pelo garimpo, e com isso, a pesca acaba. Todas essas situações culminam na fome. São dias e dias procurando caça e tentando pescar, sem sucesso. O mesmo ocorre na região pantaneira do Mato Grosso do Sul, onde presenciei realidade semelhante, mas lá o inimigo era outro: a agropecuária extensiva, que altera as cheias e o bioma, também influenciando diretamente na sobrevivência dos povos indígenas locais.
Os garimpeiros também trazem consigo enfermidades, às quais os indígenas não têm defesas naturais, não são vacinados ou não têm medicação, causando, consequentemente, a morte. Inevitável, já que não há uma unidade básica de saúde (UBS) ou hospital na esquina para socorrê-los.
Se trazermos essa realidade para o cotidiano das cidades, o que eles passam seria semelhante a você tentar comprar carne no único mercado da região, por dias, e não achar. Buscar por peixe e ele estar estragado, tentar outros alimentos que foram roubados das prateleiras. Você fica faminto e enfermo, de uma doença que não conhece bem os sintomas e a farmácia mais próxima fica a 200 km e você não tem carro e nem ônibus – precisará ir a pé, estando doente e fraco de fome. Consegue imaginar?
Dentro dessa realidade as populações indígenas passam a ser dependentes do poder público para quase tudo, e ele atende, só que de forma lenta e insuficiente. Uma das ações que costuma acontecer é o envio de sementes para plantio de subsistência. Só que tais sementes chegam quando a fome também já se instalou, não sendo possível esperar entre seis meses e um ano para a colheita. O que acontece na prática é a população, no auge da necessidade, cozinhar tais sementes para poder ter algo para comer. No âmbito da saúde e demais políticas, o socorro também chega atrasado.
A solução para o fim do sofrimento e morte desses brasileiros não é simples, mas envolve tempo e vontade política, prioridade no orçamento com altos investimentos nas políticas básicas, garantia de acesso aos serviços com a capacitação e locomoção de profissionais qualificados até as aldeias. Urge a necessidade de planejamento para aplicação de tais políticas e a fiscalização, o fechamento dos garimpos de forma ostensiva – sem o controle de tais práticas ilegais e de alto impacto ambiental, não adianta o investimento em outras ações. Lembrando que o planeta é um organismo vivo e interligado. A morte dos nossos irmãos e irmãs Yanomami vai ser cobrada, de uma forma ou de outra.
Relly Amaral Ribeiro é mestre em Serviço Social e Política Social, tutora e professora dos cursos de pós-graduação em Serviço Social do Centro Universitário Internacional Uninter.