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 | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Diante do grave atentado sofrido contra sua vida, o candidato presidencial Jair Bolsonaro está impossibilitado de comparecer nos próximos atos de campanha. Surge, então, o oportuno questionamento sobre a possibilidade jurídica do candidato a vice-presidente, general Hamilton Mourão, substituir o cabeça de chapa nos debates de rádio e televisão. Em linhas gerais, a pergunta a ser respondida é a seguinte: seria a participação em debates uma prerrogativa pessoal e intransferível do candidato titular ou, em certas hipóteses, haveria a excepcional possibilidade de substituição representativa pelo seu respectivo vice?

De início, cumpre esclarecer que a presente análise será técnica e despida de qualquer subjetivismo partidário. Dito isso, o problema colocado é absolutamente incomum. Isso porque é da natureza da ambição presidencial o firme desejo de participar de debates públicos, de se tornar conhecido e expor as ideias que norteiam a campanha eleitoral. Logo, um candidato à Presidência – especialmente em páreos de competição visceral – almejam uma estratégica exposição midiática com vistas a selar o triunfo nas urnas. Por assim ser, o eventual direito de um vice-candidato participar de debates presidenciais somente se torna possível em situações absolutamente extraordinárias. Acontece que a circunstância extraordinária se perfez.

Por força de violência chocante, o candidato Jair Bolsonaro foi vítima de uma facada em praça pública, aos olhos de todos, colocando a continuidade de sua campanha e sua própria vida na UTI hospitalar. O fato é público e notório, independendo de prova. A seriedade da lesão sofrida e as complicações inerentes ao quadro clínico provavelmente o impedirão de participar de atos de rua e debates eleitorais. Seria, então, justo e razoável que sua campanha ficasse privada de representação em atos cruciais e decisivos da corrida presidencial? Ora, é logico que não. E, se a lógica diz “não”, cabe à razão jurídica explicar os fundamentos pertinentes.

A seriedade da lesão sofrida e as complicações inerentes ao quadro clínico provavelmente impedirão Bolsonaro de participar de atos de rua e debates eleitorais

Nesse sentido, a regra do artigo 79 da Constituição Federal é expressa ao determinar: “Substituirá o presidente, no caso de impedimento, e suceder-lhe-á, no de vaga, o vice-presidente”. Como se vê, a dicção constitucional é categórica ao afirmar que, nos casos de justo impedimento, cabe ao vice desempenhar as funções do primeiro mandatário. Tais linhas principiológicas da Constituição lançam naturais luzes de normatividade para as circunstâncias do processo eletivo presidencial. Como atos preparatórios e legitimadores ao pleno e fiel exercício do mandato, o processo eleitoral deve servir aos melhores anseios da democracia política, sendo impensável que um candidato vitimado por covarde agressão física seja impedido de ser substituído por seu vice em palanques, debates e atos de campanha.

Cumpre esclarecer que a situação jurídica do candidato Bolsonaro é completamente diferente daquela do ex-presidente Lula. Frisa-se que, por lei imperativa (art. 1.º, inciso I, alínea “e” da Lei Complementar 64/1990), Lula é inelegível, não dispondo de condições válidas de aspirar ao alto posto presidencial. Dessa forma, a colocação de seu nome na titularidade da chapa importava um vício genético no pedido de registro eleitoral, atraindo a consequente impossibilidade jurídica de sua participação ou substituição em debates. Em outras palavras, o inelegível é uma voz eleitoralmente nula, acarretando a correlata mudez substitutiva do eventual “vice-candidato”. Aliás, ser vice de algo nulo nada mais é que nulidade qualificada.

Paulo Cruz: Raça, cultura e eugenia: General Mourão e a estupidez inteligente (coluna de 10 de agosto de 2018)

Leia também: O ataque a Bolsonaro e a doença da nossa política (editorial de 6 de setembro de 2018)

Indo adiante, se fosse para falar, à luz das diretrizes do Estado de Direito, o vice deveria ser o primeiro a apontar eventuais ilicitudes formativas da chapa de campanha, garantindo, assim, a inegociável higidez jurídica da candidatura política e sua própria possibilidade de substituição válida do candidato presidencial. Portanto, a lição que fica é clara: gritos não calam a decência da lei. Em tempo, a partir de decisão soberana do egrégio TSE, a referida chapa restou nominalmente alterada, sanando-se o invencível vício da inelegibilidade.

Por tudo, sendo elegível e estando devidamente registrado na instância eleitoral, o candidato Jair Bolsonaro pode ser substituído por seu vice em futuros debates de rádio e televisão. Em um momento turbulento e de transição em nossa história republicana, nada mais justo que proporcionar aos cidadãos uma ampla e plena discussão democrática sobre as melhores ideias que devem governar o Brasil. Aqui chegando, se alguns defendem o triunfo da ilicitude, sempre haverá aqueles que defenderão o império da lei. Afinal, como um dia disse Rui, “com a lei, pela lei e dentro da lei, porque fora da lei não há salvação”.

Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado, vice-presidente da Federasul/RS e conselheiro do Instituto Millenium.
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