Em 30 de abril foi publicada a MP 881/19, chamada de “Declaração dos Direitos de Liberdade Econômica”. Ela trata de vários temas e promove inovações em leis conhecidas como o Código Civil e a Lei das S/A. Analisar todas as mudanças escapa ao alcance desse artigo. O foco é tratar do seu objetivo central: promover a liberdade econômica. Para isso diversas normas são previstas.
A MP tem um objetivo audacioso: promover uma declaração de direitos em favor da liberdade econômica. Seu objetivo é reforçar o espaço reservado à livre iniciativa diante da atuação do Estado.
Como toda declaração de direito, os objetivos não são só jurídicos, mas também retóricos. A MP tem por compromisso reforçar a livre iniciativa, permitindo que particulares exerçam do modo mais livre possível a atividade econômica. Nessa linha, controles sobre os fatores de produção são repelidos: a liberdade de formar os preços e de definir quanto será produzido é reafirmada como regra. Afirma-se também a liberdade de se desenvolver a atividade econômica em qualquer dia ou horário, garantindo assim o direito de organizar livremente os fatores de produção.
A Administração Pública deve zelar pela liberdade econômica, não abusando de seu poder regulatório
Em termos práticos, busca-se a desburocratização, especialmente de pequenos negócios caracterizados como de baixo risco (a serem ainda definidos). Segundo a lógica da lei, esses negócios passarão a independer de autorização prévia, podendo ser explorados de modo simplificado por pequenos empreendedores. Busca-se promover um lifting na burocracia necessária à exploração das atividades econômicas. Inclusive, prevê-se prazo para que seja fornecida a autorização para a exploração da atividade econômica.
Outro vetor é buscar favorecer a inovação. A lei busca prever o direito de lançar novos produtos no mercado independente de autorização, assim como explorar atividades inovadoras, no caso de as normas vigentes tornarem-se obsoletas.
Há um compromisso expresso com a autonomia da vontade. Em diversas passagens a MP indica que as partes contratantes são soberanas na gestão dos seus interesses; e isso implica a redução da possibilidade de terceiros (especialmente o Judiciário) revisitarem os contratos. A ideia é garantir liberdade contratual aos empresários, para que eles se auto-organizem. A lei sinaliza uma clara opção pela valorização do contrato como centro de gravidade da relação empresarial.
Como reverso dessa ideia, a MP tenta restringir a intervenção estatal sobre atividades econômicas. Prevê-se que a Administração Pública deva zelar pela liberdade econômica, não abusando de seu poder regulatório. A ideia é que ao regulamentar atividades econômicas o foco seja promover a liberdade de iniciativa, abstendo-se de criar barreiras à entrada e de privilegiar determinados de grupo de interesse em detrimento da coletividade. No plano federal, inclusive, prevê-se como instrumento desses valores, a análise de impacto regulatório. Esse instrumento consiste na análise dos efeitos da referida norma.
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Como se nota, a lei tem um objetivo claro, defender a liberdade econômica, exigindo que o Estado assuma um papel subsidiário. A ele cumpre não só favorecer as atividades em que a iniciativa privada se mostra ineficiente, mas também não interferir nos casos em que os mercados se mostram eficientes.
No geral, a lei consolida mais um espírito de mudança do que alterações efetivas. Nada novo: declarações de direito servem a esse propósito. Muito ainda há de ser regulamentado e o tema passará pelo Congresso Nacional, lá diversos grupos de interesse buscarão alterar o seu texto. É natural em uma sociedade complexa esse choque entre visões de mundo. A proposta da MP consolida a visão do Governo sobre o tema. Ela certamente não é a única.
Por fim, uma breve consideração. A MP evidentemente ajuda. Mas o que transforma a sociedade não são as leis. Esse é o mal do jurista: ele acredita na força mágica das leis. Mas como diz a sabedoria popular, no Brasil há leis que pegam e outras que não.
Só teremos liberdade econômica quando a maior parte da população acreditar que a força criativa dos particulares é que melhora o mundo. Aquela ideia revolucionária que transformou o mundo e gerou riqueza. A criatividade dos empresários e a seleção da concorrência faz bem a sociedade. Enquanto não acreditarmos nisso, corremos o risco sério de as normas aqui tratadas não pegarem.
Bernardo Strobel Guimarães é mestre e doutor em Direito do Estado, professor da PUCPR e advogado.
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