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MP do Teletrabalho traz risco de precarização

Os conceitos de trabalho presencial e a distância são dissolvidos e a diferença entre eles se resume a um ou dois dias de diferença (Foto: Pixabay)

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Começaram a vigorar em 28 de março as regras para trabalho remoto editadas pelo governo federal por meio da Medida Provisória 1.108, que alterou a redação de alguns dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Mais uma vez, a justificativa da alteração na legislação trabalhista foi a modernização das relações de trabalho e a ampliação da segurança jurídica entre empregados e empregadores. Uma análise mais detida, porém, afasta qualquer ideia de inovação ou evolução das leis regulamentadoras do trabalho.

A MP centra-se na distinção entre teletrabalho por jornada e o teletrabalho por produção ou tarefa. No primeiro modelo estaria contemplado um regime de trabalho a distância em que o empregado estaria sujeito a horários de trabalhos limitados e controlados pelo empregador, sendo remunerado pelo tempo trabalhado. No segundo, a prestação de serviços não teria limites no tempo, mas nos produtos e resultados entregues ao empregador, sendo o salário reflexo da produtividade do empregado.

Este modelo de fixação do salário por unidade de produção ou tarefa já tem previsão legal, sendo inócua, do ponto de vista legal, sua regulamentação por medida provisória. Em verdade, sua aplicação data desde antes da CLT, sendo por ela recepcionado. Ocorre, todavia, que é pouquíssimo adotado nas relações de trabalho por possibilitar a ampla exploração da mão de obra, mediante jornadas de trabalho extenuantes e sem remunerar o excesso como horas extras, e por gerar muita instabilidade e insegurança em relação ao valor a ser recebido por quem vive da venda de sua força de trabalho.

Até a edição desta MP os empregadores poderiam colocar seus empregados em teletrabalho, remunerando-os com salário estipulado por unidade de tempo, isto é, um valor fixo, pago a partir de um critério temporal (dia, semana ou, o mais usual, mês). A alteração legislativa parece apontar na direção de exigir dos empregadores a mudança do formato de remuneração dos trabalhadores para unidade de tarefa ou produção, se a pretensão for beneficiarem-se da isenção de controle de jornada de seus empregados, isto é, não pagar horas extras mesmo que realizadas.

Outra mudança trazida pela MP ocorreu no conceito legal de teletrabalho, que passa a ser definido pela prestação de serviços “fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não”. A alteração está justamente no tempo de trabalho fora do estabelecimento empresarial, já que pela regulamentação anterior se exigia a prestação de serviços preponderantemente fora da empresa. Trocando em miúdos: se antes só podia ser enquadrado nesse regime o empregado que trabalhava a maior parte do mês fora das dependências do empregador, agora também a prestação de serviços realizada majoritariamente na sede da empresa poderá ser considerada trabalho remoto.

A contradição conceitual do “teletrabalho preponderantemente presencial” traz consigo vários questionamentos da sua adequação no ordenamento jurídico, longe de qualquer segurança jurídica ventilada pelo discurso governamental. Mesmo que trabalhem na maior parte do mês na sede da empresa, os empregados podem ser enquadrados no modelo telepresencial e, se contratados por produção ou tarefa, ainda beneficiam o empregador com a vantagem de que a empresa está dispensada de controlar a jornada de trabalho ou remunerar eventuais horas extras e noturnas, dentre outros direitos que regulamentam a duração do trabalho.

A única salvaguarda da MP na previsão de um regime de trabalho remoto por jornada, embora não seja ainda clara sua adesão pelo segmento empresarial.

Neste modelo de trabalho híbrido, em que se privilegia a remuneração por produção ou tarefa, sem necessariamente se exigir um trabalho majoritariamente remoto, e que isenta o empregador do controle de jornada e do pagamento de horas extras, a MP é uma oportunidade empresarial para explorar ainda mais os empregados, permitindo a prestação de trabalho sem contraprestação salarial. Caso convertida em lei pelo Congresso, a nova forma de contratação tende a se tornar uma regra no mercado de trabalho, repercutindo negativamente na renda dos trabalhadores.

A alteração introduzida pela MP traz uma inquestionável flexibilização da lei sobre o trabalho remoto. Os conceitos de trabalho presencial e a distância são dissolvidos e a diferença entre eles se resume a um ou dois dias de diferença de trabalho, na empresa ou em casa, durante a semana. Embora as palavras tenham perdido sentido, ganha o empregador com maior liberdade na forma de dispor da força de trabalho, sem qualquer correspondência ao trabalhador em termos de renda ou redução de jornada.

Quando a flexibilização vem acompanhada de retirada de direitos e precarização das condições de trabalho, não se pode reputá-la como um verdadeiro avanço ou evolução do direito trabalhista. Muito pelo contrário.

Embora seja necessária uma reflexão sobre a modernização das relações entre trabalho e capital, esta não pode descartar institutos básicos e muito caros aos trabalhadores e à economia de qualquer democracia capitalista: a preservação do salário e o controle do tempo de trabalho.

O curso das recentes regulamentações jurídicas do trabalho, que ganhou impulso com a reforma de 2017, parece se conformar às medidas de desregulação do mercado de trabalho que vêm retirando direitos e, por consequência, renda de uma parte significativa da população economicamente ativa do país, o que conduz a mais concentração de renda e desigualdade social.

Nasser Ahmad Allan é doutor em Direito e advogado trabalhista. Rubens Bordinhão de Camargo Neto é graduado e mestre em Direito, e advogado trabalhista.

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