As invasões de fazendas em São Paulo, coordenadas por José Rainha, e as ações do Movimento do Sem-Terra (MST) em Pernambuco onde líderes do movimento assassinaram quatro seguranças de fazendas causaram indignação no presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes. Recentemente, o ministro convocou a imprensa para dizer que os repasses de dinheiro público a movimentos que atuam dessa forma são tão ilegais quanto as invasões realizadas durante o carnaval.
Nove dias após líderes do MST matarem a tiros os seguranças, o presidente Lula disse considerar "inaceitável a desculpa de legítima defesa para matar quatro pessoas" e cobrou punição dos culpados. Apesar dos assassinatos, Tarso Genro, ministro da Justiça do governo Lula, minimizou a violência no campo. "A reforma agrária vem sendo feita de maneira ordenada, dentro da Constituição, e não vejo nenhum índice de aumento de violência. O que ocorre é a mobilização de movimentos sociais, em determinadas circunstâncias de uma maneira mais arrojada." Assassinar pais de família faz parte do arrojo? Invadir propriedades produtivas é exemplo de respeito à Constituição? Genro fala, talvez, de outro país. E Lula poderia ter evitado a ilegalidade e as mortes. Bastaria ter cortado a dinheirama que alimenta a violência no campo. A sociedade espera menos lamento e mais ação.
O MST não tem personalidade jurídica, ou seja, não tem CNPJ e, portanto, não pode receber recursos públicos. Por isso criou entidades paralelas, como a Associação Nacional de Cooperação Agrícola (Anca) e a Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária (Concrab), para receber verbas oficiais. Essas entidades funcionam, de fato, sob o mesmo teto do MST em São Paulo e Brasília. Quer dizer: o governo repassa, sim, muito dinheiro para o MST. Só que o faz por caminhos indiretos.
A verdade, caro leitor, é de uma transparência meridiana: a sociedade está financiando a violência no Brasil. Com a conivência do governo, e do presidente da República, o direito de propriedade, pilar do Estado de direito democrático, está sendo estrategicamente minado. Penso, por isso, que, se comprovada a concordância ou a leniência do governo, o Supremo Tribunal Federal tem o dever de fazer cumprir a Constituição. Mas cabe ao Ministério Público, instituição com relevantes serviços prestados à cidadania, assumir seu papel constitucional de zelador da lei.
Os brasileiros contam com as garantias constitucionais para a defesa da democracia e para o eficaz exercício da cidadania. "Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas e do ônus da sucumbência". Acabo de citar o inciso 73 do artigo 5º da Constituição. A ação popular pode, eventualmente, ser um instrumento jurídico para o enquadramento de ações criminosas e antidemocráticas. Ademais, tem legitimidade para propor ação civil pública qualquer associação ou ONG que esteja constituída há pelo menos um ano. Sobram leis. O que falta é executá-las.
Nada contra os movimentos sociais legítimos e democráticos. Mas é inadmissível conceder um passaporte de impunidade para os que agridem a democracia brasileira. O que alguns pretendem é criar uma rede social fortemente ideológica que, com a conivência do governo, dinheiro do Estado e sem quaisquer amarras legais, funcione como poder paralelo inquestionável. O exemplo da Venezuela está aí. É só escarmentar em cabeça alheia.
Qualquer construção democrática reclama os alicerces dos valores éticos e da lei. No respeito aos seus princípios está o melhor antídoto contra aventuras ditatoriais.
Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo (www.masteremjornalismo.org.br), professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com). E-mail: difranco@iics.org.br