As campanhas políticas continuam a prestar um desserviço à democracia no Brasil. A ditadura do marketing político e a onipotência das pesquisas de opinião comandam os discursos e o comportamento dos candidatos e deixam em segundo plano o debate de ideias e a discussão de programas e propostas que coloquem o país num horizonte de perspectivas factíveis. Não é de hoje, claro, mas nessas eleições os limites se esgarçaram. Diz-se ou faz-se qualquer coisa para conquistar o voto e não como seria desejável se conquista o voto pelas ideias e propostas expressas e assumidas, pela confiança e segurança que inspiram ao cidadão.
No caso da campanha da presidente Dilma Rousseff, a estratégia aparece de maneira mais evidente. Na impossibilidade de construir a imagem positiva da candidata, depois de quatro anos medíocres em que foi vendida como gerentona e não viu o que acontecia na Petrobras; como faxineira dedicada a uma limpeza profunda, mas que só varreu a sujeira para debaixo do tapete , tenta-se desconstruir os adversários. Comparam Marina Silva a fantasmas do passado, como Fernando Collor, levantam dúvidas sobre sua capacidade de governar com um partido pequeno e sem maioria no Congresso e até sobre sua crença religiosa.
Dilma Rousseff, como (dá a impressão) não consegue convencer os eleitores de que pode governar melhor, nos ameaça com a hipótese de que sem ela tudo pode piorar. Culpa a crise financeira internacional pelas nossas dificuldades e não explica por que pioramos até em relação aos nossos vizinhos latino-americanos. Demitiu o ministro Mantega em um eventual segundo mandato, mas o mantém no atual. Quando fala em governabilidade e apoio no Congresso, esquece que na esteira de Fernando Collor veio Itamar Franco e, em apenas dois anos de mandato e com um partido também muito pequeno, conseguiu patrocinar as mais importantes mudanças de nossa história recente. Implantou o Plano Real, estabilizou a moeda e estabeleceu as bases de uma política econômica consistente, que se tivesse sido mantida com o rigor necessário não nos teria trazido de volta o fantasma da inflação. Demitir um ministro como o da Fazenda, do palanque eleitoral e só para o próximo mandato, pode agradar a certos setores empresariais, mas não revela determinação para fazer o essencial, que é mudar a política econômica, o intervencionismo estatal e o aparelhamento do Estado, como se vê na Petrobras, transformada, nos últimos anos, em poderoso instrumento de corrupção e favorecimentos ilícitos.
Outro ponto revoltante, nesta campanha, é revelar algum temor sobre as decisões de um futuro governante em função de sua fé ou da convicção que demonstra em sua crença, num país como o Brasil, que preserva, como um dos traços mais nobres do caráter de seu povo, a tolerância religiosa. Mais que um preconceito contra Marina Silva, isso é uma afronta à democracia e às nossas instituições, como se, de tão frágeis, fosse possível submetê-las a desejos e vontades pessoais.
Posso até admitir que, como dizem, em campanha política o que não é proibido é permitido. Mas sempre vou achar que o país não vai melhorar enquanto governantes forem eleitos com base na desconstrução dos adversários e não por seus próprios méritos e pela construção de sua própria imagem. As dificuldades atuais, a nossa incapacidade de crescer, as incertezas na economia afetam a nossa credibilidade, afastam investidores e indicam, com muita clareza, a necessidade de buscar alternativas.
A situação atual lembra-me a eleição de José Richa ao governo do Paraná, em 1982. O slogan de sua campanha, "Richa ou fica como está", refletia, sem usar o verbo "mudar", o inconsciente coletivo pelo desejo de mudança. E mudar não significa apenas trocar o técnico, como fez a seleção brasileira de futebol depois do vexame da Copa do Mundo. A mudança exige reformas institucionais capazes de colocar o Brasil de novo no caminho do desenvolvimento, e para isso é preciso muito mais que capacidade para negociar com o Congresso (e, nos últimos tempos, a palavra "negociar" nunca teve um significado tão explícito). É preciso vontade política e determinação para governar olhando para o Brasil e não para as próximas eleições ou para o que dizem as pesquisas e o marketing.
João Elisio Ferraz de Campos, empresário, membro do Conselho do Instituto Ciência e Fé, foi governador do Paraná.
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