A fixação da data de corte para o ingresso no ensino de nove anos pode ser analisada sob diversos aspectos: legais (pois há conflito com a legislação federal), pedagógicos (pois há ruptura com um processo de aprendizagem já iniciado por várias crianças) e sociais (pois há retenção escolar coletiva).
A lei federal 11.274/2006, que trata do novo ensino fundamental de nove anos é clara: "Cada sistema deve refletir e proceder a convenientes estudos, com a democratização do debate envolvendo todos os segmentos interessados, antes de optar pela(s) alternativa(s) julgada(s) mais adequada(s) à sua realidade". O Conselho Estadual de Educação do Paraná, ao não seguir esta orientação, através das deliberações 3 e 5/2006, estabeleceu normas rígidas para o novo ensino, trazendo prejuízos para grande parte da comunidade envolvida no processo. O ponto crucial é a proibição do ingresso na escola de crianças que completam 6 anos após 1.º de março.
O espírito da Lei 11.274 e do ensino fundamental de nove anos é trazer a criança um ano antes para a escola (aos 6 anos em vez de aos 7), sem alterar a idade de conclusão com relação ao antigo ensino de oito anos. Na lei está explícito que o período do ensino fundamental de 9 anos vai dos 6 aos 14 anos. Em consonância com esta lei, a emenda constitucional 53, de 19/12/2006, deu nova redação ao inciso IV do Art. 208 da Constituição: "O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 anos" (o texto antigo estipulava 6 anos). Está claro que, se agora a educação fundamental vai de 6 a 14 anos, a educação infantil tem que ir até os 5.
Se considerarmos que as datas de nascimento das crianças estão homogeneamente distribuídas ao longo do ano, teremos que aproximadamente 17% nasceram entre 1.º de janeiro e 1.º de março e 83% nasceram entre 2 de março e 31 de dezembro. De acordo com as deliberações 3 e 5 do CEE do Paraná, estes 83% concluirão o ensino fundamental com 15 anos, um ano mais tarde com relação ao ensino de 8 anos. Em resumo: a lei federal obriga crianças a partir de 6 anos a ingressar na escola e a deliberação estadual proíbe 83% delas.
Outra conseqüência grave é que cerca de 83% das crianças entre 2 e 5 anos que cursaram o educação infantil em 2006 terão que repetir a série em 2007, caracterizando-se a retenção escolar em massa. A estes, que já haviam ingressado na escola, as deliberações 3 e 5 impõem repetir uma etapa e romper com o processo de ensino e aprendizagem. Com o avanço tecnológico dos últimos anos, as "novas crianças" têm seu desenvolvimento intelectual extremamente estimulado. Proibir uma criança de 6 anos, ávida pelas descobertas, de ingressar na escola, é uma forma cruel de exclusão social.
Ao contrário do Paraná, São Paulo e Minas Gerais interpretaram corretamente a Lei 11.274, não acarretando polêmica entre os envolvidos nem prejuízos a terceiros. De acordo com o parecer 461/2005 do CEE de São Paulo, "As escolas ou sistemas de ensino poderão estabelecer normas que permitam a matrícula com 6 anos incompletos". Por sua vez, o parecer 289/2006 do CEE de Minas Gerais estabelece: "Quanto ao limite de ingresso ao ensino fundamental definido aos 6 anos completos ou a completar no início do ano letivo, fica a critério dos sistemas de ensino". É constrangedor saber que um estado modelo, como é o Paraná, dá um passo atrás com relação à educação.
Com tais argumentos, escolas e pais estão munidos de razão para prosseguir em processos judiciais, com muitas chances de sucesso. Parece óbvio que se deveria dialogar, flexibilizar, que seria mais justo e honesto com nossas crianças dar-lhes a chance de ficar em igualdade com as de outros estados da União, simplesmente porque elas são igualmente capazes.
Rubens Robles Ortega Jr. é doutor em Matemática pela Universidade de Sevilha, Espanha, professor da UFPR e coordenador do Curso de Matemática da UTP.
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