O comportamento é recorrente: um motorista que se desvia da rota pretendida, a qual garantia conhecer, reluta em assumir que está perdido. Resiste mais ainda se for necessário tomar o caminho de volta para corrigir seu rumo. Na prática, quanto mais insistência no erro cometido, maior o atraso em finalizar a viagem.

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Não reconhecer erros também é uma característica comportamental em relação às ameaças em curso que devem mudar para sempre a vida no planeta. Já sabemos que, sem profundas alterações em nossa postura, o século 21 nos garantirá uma hecatombe, representada pela sexta extinção em massa de espécies, incrementada pelos impactos imprevisíveis das mudanças climáticas.

Não é possível que diante de dois eventos planetários dessa magnitude ainda possamos manter a soberba de reafirmar que as práticas de exploração e de consumo sejam aceitáveis. Perdemos o rumo, não há a menor dúvida. A destruição de áreas naturais continua intensa, com espécies desaparecendo a cada momento. Os cálculos de emissões de gases de efeito estufa batem recordes em cima de recordes. O que poderia ser pior que isso?

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A realidade nos qualifica como campeões no avanço da degradação de ambientes naturais

Sucessivamente, estamos superando todas as médias históricas de temperatura. Secas, tempestades e inundações, com gigantescos custos sociais e econômicos, passam a ser cada vez mais frequentes. A complacência com essas novidades “inesperadas” quase sempre nos limita à busca por acomodação às novas realidades, em vez do esforço por identificar e combater as causas desses fenômenos. Não há outra leitura possível: estamos chegando à beira do precipício, com evidências mais do que suficientes para essa informação ser confiável. Poderíamos frear e achar um melhor caminho, mas insistimos em acelerar cada vez mais.

E é principalmente a partir da má política e de governos cada vez mais frágeis, da pressão exagerada dos movimentos de interesses setoriais e de uma economia que se regula apenas pelo atendimento às demandas, sem respeitar os limites do planeta, que nossas práticas se perpetuam. Não por acaso, por muitos anos o governo norte-americano sustentou que as mudanças climáticas não tinham qualquer relação com atividades antrópicas, mesmo sem ratificação de qualquer instituição acadêmica no mundo, até hoje, com essa posição.

Não surpreende que no Brasil as taxas de desmatamento sejam sucessivamente mascaradas para manter a opinião pública menos reativa. A realidade nos qualifica como campeões no avanço da degradação de ambientes naturais. Demonstrações de falta de controle e de ilícitos recorrentes ignoram a importância vital de manter amplas áreas de conservação representativas de nossos biomas, como os parques nacionais. Abdicamos com ampla flexibilização da legislação, na busca pela necessidade de entremear áreas de uso intensivo com uma porcentagem razoável de áreas naturais bem conservadas em cada propriedade.

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É preciso deixar claro que não existe nenhum futuro para todos nós, no âmbito regional ou global, sem ambientes bem conservados. Lastimável que, embora simples e direta, essa afirmação ainda não seja entendida pela sociedade como uma demanda relevante. Continuamos a espoliar avidamente a natureza. Consumimos ao máximo para satisfazer nossas falsas expectativas de felicidade e de bem-estar. Em última instância, assimilamos diferentes modelagens de corrupção como prática aceitável, ao dar guarida, com nossa omissão e conivência, aos que aniquilam nosso patrimônio natural sem nenhuma cerimônia.

Clóvis Borges é diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS).