O vencedor da eleição para suceder a Hugo Chávez foi o próprio Hugo Chávez, conforme observou um analista americano. Isto é, não só a apertada vitória de Maduro se deve ao voto de simpatia decorrente da morte do líder venezuelano. Também no sentido de que a campanha do opositor Capriles foi em boa parte pautada pela agenda chavista.

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Capriles deu à sua equipe o nome de Simon Bolívar, enxertou em seus discursos frases e símbolos chavistas, declarou que seu modelo é o presidente Lula! Mais importante, prometeu manter todas as missões sociais de Chávez (30 e tantas) e acrescentar outras, anunciou aumentos significativos para salários e aposentadorias. Estreitou assim de dez pontos para menos de dois a margem de derrota em relação a outubro de 2012.

Esses fatos geralmente ignorados na maioria dos relatos jornalísticos sugerem que, em países pobres e marcados por desigualdade, o eleitor tende a conservar as conquistas sociais e limita o desejo de mudança à margem: corrigir excessos, retificar desvios.

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Isso vale até para a Argentina. Lá, segundo me dizem, aspira-se por uma espécie de Cristina Kirchner melhorada, sem a corrupção e o espírito de vendetta. No caso argentino, haveria razão adicional. O profundo trauma de 2001 vacinou os argentinos contra as soluções extremas como a convertibilidade de Cavallo-Menem. Ninguém crê que tenha chance uma plataforma de negação total e mudança radical, um "tiro para matar o tigre" como o confisco da poupança de Collor. As pessoas querem melhorar, mas devagar, sem balançar o coreto.

Se isso ocorre em dois países nos quais o agravamento da crise econômica e política já leva milhares de pessoas às ruas, o que dizer do Brasil, onde o processo de desgaste é mais recente e a sensação de bem estar prevalece para a maioria? Aqui também tudo indica que o apetite por mudança não ultrapassa a proposta expressa na sentença "é possível fazer mais".

Terá sido muito diferente o espírito da "Carta ao Povo Brasileiro" de 2002 e a campanha vitoriosa de Lula em garantir que os contratos seriam honrados e a estabilidade preservada?

Na América Latina, os governos de desempenho econômico melhor que o social e sem reeleição (Peru, Chile, México) têm sido derrotados pelos opositores, que conservam, no entanto, a orientação econômica. Já os sociais e desastrados economicamente (Chávez, os Kirchner) ganham as eleições, mas aprofundam as políticas econômicas disfuncionais. Dessa maneira, o êxito eleitoral acaba sendo em longo prazo o bilhete para o desastre definitivo.

O Brasil se parece cada vez mais a Venezuela e a Argentina. A afirmação choca porque estamos longe de falsificar a inflação ou perseguir a imprensa. Contudo, nos indicadores econômicos básicos – inflação e, sobretudo, acelerada deterioração das contas externas e da dívida bruta – vamos pelo mesmo caminho.

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O atraso na crise e a demora na percepção pública favorecem as chances eleitorais do governo. A dúvida maior, portanto, é se após 2014 o país mudará para sustentar as conquistas sociais ou arriscará perder mais uma década de crescimento.

Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) e ministro da Fazenda no governo Itamar Franco.