Imagem ilustrativa.| Foto: Wesley Tingey / Unsplash
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Há quase três anos, foi publicado um artigo de minha autoria intitulado Onemanone vote em que questionava a efetividade do princípio da igualdade entre homens e mulheres no Judiciário, particularmente para acesso a cargos que demandam uma escolha entre os pares, como a promoção a desembargador e às funções da alta administração dos tribunais de Justiça.

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Àquela ocasião, o texto destacava que não se pretendia privilégios em função do fato de ser mulher e, invocando John Rawls, propôs-se a reflexão sobre justiça distributiva, reciprocidade social e igualismo democrático, de modo que as instituições públicas sejam estruturadas a produzir maior benefício aos menos favorecidos a longo prazo devendo, para tanto, empregar mecanismos institucionais alternativos.

A instituição pública deve cumprir esse papel de “agente desequiparador”, de modo que a isonomia seja real.

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Aproxima-se então, mais um oito de março, comemorando-se o Dia Internacional das Mulheres e, portanto, sempre um momento de parar e de pensar em que medida o Poder Judiciário está promovendo e construindo esses “arranjos institucionais alternativos” aos quais o filósofo norte americano fazia referência.

Se pensarmos na aplicação do princípio da igualdade equitativa de oportunidades tem-se a proibição de qualquer discriminação no acesso aos cargos e funções. Assim, o princípio da diferença admite a possibilidade de desigualdades desde que a sua aplicação melhore a posição dos menos favorecidos. No caso da desequiparação tornar a situação dos menos preferidos pior que em numa outra completamente igualitária, tais desigualdades devem ser consideradas como injustas.

Então, o acerto institucional no cenário das mulheres ocupantes de cargos no Poder Judiciário, deve se voltar à promoção de uma desigualdade que favoreça magistradas e servidoras, justamente para alcançar uma efetiva igualdade.

A instituição pública deve cumprir esse papel de “agente desequiparador”, de modo que a isonomia seja real. Se existem os entraves historicamente construídos a partir de arquétipos de uma sociedade enviesada, em que tanto os homens inferiorizam as mulheres, assim como elas próprias umas as outras, o Poder Judiciário tem o dever de impor a presença feminina nos espaços que são dominados por uma maioria branca e masculina.

O emprego dos termos “dever” e “imposição” foi proposital, pois esse ajuste institucional a ser concretizado pelo Poder Judiciário, traz a ideia capitaneada pelo administrativista Celso Antonio Bandeira de Mello que o poder público não ostenta um poder-dever, mas o dever-poder. Não é uma faculdade a implementação de uma política de isonomia material, mas uma obrigação do Poder Judiciário, inserir a magistrada e a servidora em papéis de relevância de poder, a retratar um verdadeiro ato político-social.

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Busca-se, com isso, uma mudança de paradigmas, uma conquista de áreas de poder, com a decorrente transformação econômica, social e política em favor desse segmento inserido na maior parte do tempo em funções que não guardam representatividade num campo de atuação que deveria ser democrático. O quadro hoje revela ainda uma forte sub-representatividade. Afinal, quem melhor pode representar as mulheres se não outras mulheres? E, se há poucas mulheres nos tribunais e nos respectivos cargos diretivos, não se pode dizer que exista uma representatividade profícua.

O Poder Judiciário é uma parte do Estado Democrático de Direito. Ele representa o próprio Estado Democrático de Direito dentro de suas atribuições e competências e no seu microcosmo de atuação. Por isso, tem o papel político de corrigir o déficit democrático da mulher nos cargos de poder que implicam um papel de tomada de decisão, incluindo a presença das mulheres no Judiciário. Objetiva-se que esse arranjo alternativo institucional transmude numa política de presença: a magistrada e a servidora devem que ser vistas pela sociedade nesses papéis de relevo. A pré-condição para a transformação social da mulher é dar a ela visibilidade.

Somente desta forma teremos uma representatividade substantiva no Poder Judiciário. Não é concebível falar-se em inclusão na seara de poder sem que haja a representação feminina. Um homem não pode substituir legitimamente uma mulher quando está em questão a representação das mulheres per se, tal qual adverte Anne Phillips. Uma representação adequada no Poder Judiciário, perpassa por uma participação justa e um redesenho eficaz e realista desse modelo vigente.

A alternativa para atingir esse escopo é uma ação que dê essa visibilidade feminina. Do diálogo entre um juiz da Suprema Corte Norte-Americana e a juíza Ruth Ginsberg extrai-se essa ideia: ao ser indagada pelo colega quantas deveriam ser as mulheres no Judiciário, naquela corte entre os nove membros, Ruth responde: “Nove!”, no que o magistrado replica: “Não é um exagero?” e ela, na sua tréplica irretorquível, arremata: “Mas não houve um tempo que era sempre assim com os homens?”

Houve sim, um tempo da maioria absoluta masculina, branca de juízes e servidores. Poucas eram as mulheres no Judiciário. Mas os tempos devem ser outros. Outros ventos devem inspirar nosso Estado Democrático de Direito e soprar fortemente dentro do Poder Judiciário.

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Então, sugere-se um movimento da sociedade para que conclame que as duas vagas que se avizinham para nossa Excelsa Corte, o Supremo Tribunal Federal, a serem escolhidas pelo chefe do Poder Executivo, sejam direcionadas para uma dobradinha feminina, de modo a atingirmos uma futura composição de três ministras e oito ministros e, mais a longo prazo e, porque não, como idealizou Ruth Ginsberg, de uma maioria de mulheres. Propõe-se algo ainda mais democrático e representativo: que as duas mulheres sejam negras, como forma de combater e corrigir uma dupla e nefasta exclusão: a da condição de ser mulher e de ser negra, minimizando a discriminação de gênero e do racismo estrutural no âmbito do Poder Judiciário.

Ao finalizarem os leitores o exame desse artigo – talvez meio perplexos com essa proposta – se lembrem da música Balada do Louco dos Mutantes que diz: “Dizem que sou louco por pensar assim”, mas a resposta a essa afirmativa vem da própria letra da canção: “Sim sou muito louco, não vou me curar. Já não sou o único que encontrou a paz”. E a nossa paz será a paz social em que todos vivam numa sociedade justa, solidaria e inclusiva.

Lilian Maciel Santos é desembargadora do TJ-MG, mestre em Direito Civil, pós-graduada em Processo Civil, em Gestão em Poder Judiciário, em Justiça e Inovação, e professora de Direito Internacional Público e Constitucional.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]