
Embora avanços tenham sido registrados para as mulheres nas últimas décadas, o caminho para a plena equidade de gênero na sociedade, na advocacia e no sistema jurídico brasileiros ainda é longo. Nessa jornada, o setor público, o privado e o terceiro setor precisam unir forças em favor dessa pauta, garantindo que o crescimento da participação feminina se traduza em oportunidades reais de liderança e influência.
O estudo Women in theWorkplace 2023, realizado pela consultoria McKinsey &Company em parceria com a LeanIn.Org, revela que, embora a participação das mulheres na força de trabalho tenha aumentado globalmente, as barreiras para sua ascensão a cargos de alta liderança permanecem significativas. Desde 2015, a participação feminina em cargos de diretoria aumentou de 17% para 28%, mas o crescimento tem sido modesto em outros níveis hierárquicos.
O fenômeno "Grande Rompimento", que se refere ao aumento do número de mulheres que deixam cargos de liderança devido à falta de oportunidades de crescimento, desigualdade salarial e desafios para equilibrar vida profissional e pessoal, ainda é uma realidade. Muitas profissionais relatam que, apesar de alcançarem posições de destaque, enfrentam resistência e dificuldades para consolidar sua liderança em ambientes ainda marcados pela cultura corporativa tradicionalmente masculina.
Na advocacia, as mulheres são maioria no Brasil, mas essa presença ainda não se reflete em cargos de liderança nos escritórios, departamentos jurídicos e em outras esferas jurídicas. De acordo com o "Perfil ADV: 1º Estudo Demográfico da Advocacia Brasileira", divulgado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em abril de 2024, as mulheres já representam 50% da advocacia no país, enquanto os homens correspondem a 49% e 1% pertence a outras identidades de gênero. A desigualdade na renda é alarmante: 73% das advogadas recebem até cinco salários mínimos, enquanto esse percentual entre os homens é de 56%. Além disso, 26% das mulheres que exercem a advocacia são mães solo, em comparação com apenas 8% dos homens na mesma situação, evidenciando os desafios adicionais enfrentados pelas advogadas, que muitas vezes precisam conciliar carreira e responsabilidades familiares.
A equidade de gênero não é apenas uma questão de justiça social, mas também um fator determinante para a eficiência e a inovação no setor jurídico
Em 2025, somente seis seccionais da OAB das 27 existentes serão comandadas por mulheres, um avanço que demonstra a evolução da participação feminina, mas que ainda é insuficiente para reverter um quadro de predominância masculina nesses espaços de decisão. Nos escritórios de advocacia, as mulheres ainda ocupam minoria nos postos de comando, especialmente nas grandes bancas. Um levantamento da Fenalaw aponta que a maioria das advogadas ainda está concentrada em posições de apoio ou áreas de direito consideradas “menos estratégicas” no mercado, como direito de família e consumidor, enquanto os homens predominam em setores como direito societário e tributário, que costumam ser mais valorizados financeiramente.
Nos Estados Unidos, as mulheres constituem uma parcela significativa da advocacia, embora ainda enfrentem barreiras para alcançar posições de destaque em grandes escritórios e no Judiciário. O progresso tem sido constante, com um aumento gradual na nomeação de juízas e na presença feminina em associações jurídicas. Na Europa, há variações consideráveis entre os países. Nações como a Suécia e a Finlândia destacam-se pela alta participação feminina, resultado de políticas robustas de igualdade de gênero, enquanto países do Leste Europeu ainda enfrentam desafios para alcançar uma representação equitativa.
O fortalecimento da equidade de gênero não apenas democratiza o acesso a posições estratégicas na profissão, mas também impulsiona o crescimento econômico e a competitividade. De acordo com um estudo do McKinsey Global Institute, se as mulheres tivessem as mesmas oportunidades econômicas que os homens, poderiam adicionar aproximadamente R$ 67,5 trilhões ao PIB global, evidenciando o impacto positivo da participação feminina.
É fundamental que a sociedade como um todo reconheça a importância da diversidade na advocacia e no sistema de Justiça. A equidade de gênero não é apenas uma questão de justiça social, mas também um fator determinante para a eficiência e a inovação no setor jurídico. Escritórios e instituições que apostam na diversidade tendem a ter uma visão mais ampla dos desafios contemporâneos e a oferecer soluções mais completas e eficazes para seus clientes e para a sociedade. Esforços contínuos são necessários para promover a equidade de gênero e assegurar que as mulheres tenham oportunidades iguais no campo jurídico, pois a presença numérica não necessariamente se traduz em equidade nos espaços de poder. Para avançarmos, é necessário adotar uma abordagem multifacetada que envolva mudanças culturais, institucionais e legislativas.
Incentivar a presença de mulheres em diretorias de escritórios, conselhos de entidades de classe e no Poder Judiciário por meio de políticas afirmativas e metas de diversidade é o primeiro passo. Além disso, representatividade feminina e racial são obrigatórias pelo nosso Estatuto, garantindo sustentabilidade destes importantes pilares. Criar mecanismos para garantir maior transparência e equiparação salarial entre advogadas e advogados, combatendo a disparidade de remuneração é outra ação fundamental. Apoiar a criação e o fortalecimento de escritórios, startups e projetos liderados por mulheres, capacitação em gestão e redes de networking também é crucial.
Precisamos cobrar iniciativas e políticas robustas de combate ao assédio e discriminação no ambiente jurídico, com canais de denúncia e medidas eficazes contra o assédio moral e sexual em escritórios de advocacia, Tribunais e demais espaços jurídicos. E sua efetiva aplicação. E o engajamento das entidades representativas de classe deve intensificar a defesa da equidade de gênero, estabelecendo comissões específicas e promovendo eventos e formações sobre o tema.
Ao combinar esforços institucionais com mudanças na cultura organizacional e na mentalidade do setor jurídico, é possível construir uma advocacia mais inclusiva e equitativa, garantindo que a crescente presença feminina na profissão se traduza em oportunidades reais de protagonismo e liderança. Somente assim será possível construir um sistema jurídico mais justo, representativo e alinhado com os princípios democráticos e de igualdade.
Renata Castello Branco Mariz de Oliveira, advogada, conselheira fundadora do Movimento em Defesa da Advocacia – (MDA), é presidente da AASP - Associação dos Advogados.