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Na COP-26, a economia ainda falou mais alto que a emergência climática

Na COP-26, governos assumiram compromissos voltados a mitigar as alterações do clima, mas é crucial um esforço de todos os brasileiros. (Foto: EFE/EPA/ROBERT PERRY)

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Em um último dia tenso na COP-26, o presidente da conferência, Alok Sharma, anunciou que o “Pacto Climático de Glasgow” estava aprovado, depois que a Índia incluiu na última hora, de forma inesperada, uma mudança que torna distante o fim do uso dos combustíveis fosseis como fonte de energia. Sharma precisou interromper o pronunciamento duas vezes, ao não conter as lágrimas pela alteração apresentada. O britânico pediu desculpas por “como se desenvolveu o processo”: “percebo o vosso desapontamento, mas, como notaram, é vital que protejamos este pacote” de decisões, declarou, classificando o acordo como “imperfeito”, mas com “consenso e apoio”. A emenda indiana foi aprovada pelos demais países de forma muito reticente, para evitar que as negociações realizadas fossem invalidadas e a COP-26 terminasse com um fracasso de dimensões históricas.

O Pacto de Glasgow foi assinado pelos 196 países presentes. É claramente um texto que agrada a poucos, é ambíguo em vários aspectos, e coloca o planeta ainda mais fundo na emergência climática. Mostra a enorme distância entre as negociações diplomáticas e a voz da ciência. Os interesses econômicos dos países e empresas falaram muito mais alto do que a necessidade de construir um desenvolvimento sustentável para nosso planeta. A implementação dos ODS da ONU ficou ainda mais longínqua, pois, sem um clima adequado e estável, muitos dos ODS são inatingíveis. Importante salientar que o IPCC mostra a necessidade de reduzir emissões em 45% até 2030, para que a meta de limitar o aquecimento em 1,5ºC seja factível. A COP-26 não refletiu a urgência vista nos últimos relatórios do IPCC.

Ainda no que se refere à implementação do ODS 13 (“Tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos”) até o ano de 2030, nesta COP-26 não se trabalhou para cumprir como as metas 13.3 e 13A. Na primeira semana da conferencia, houve compromissos paralelos sobre zerar o desmatamento até 2030 e reduzir a emissão de metano em 30% até 2030 (assinado também pelo Brasil), mas um acordo semelhante sobre transição de energia de fontes poluidoras para energia limpa não foi feito.

As resoluções da COP-26 levam o planeta a uma trajetória de aumento de temperatura de 2,4ºC a 2,7ºC, muito longe do 1,5ºC recomendado pela ciência. Em vez de recomendar o fim da queima de combustíveis fósseis, o documento cita os “cortes para os subsídios ineficientes para os combustíveis fosseis”. Atualmente os governos gastam cerca de US$ 1 trilhão por ano em subsídios para a cadeia do petróleo e carvão, mas se recusam a ajudar com US$ 100 bilhões para salvar o planeta. A COP-26 também avançou pouco na ajuda financeira aos países em desenvolvimento, o mecanismo chamado de “perdas e danos”. A promessa dos países ricos de, a partir de 2020, destinar US$ 100 bilhões anuais para esforços de redução das emissões e da adaptação aos efeitos das mudanças climáticas continua sendo só uma promessa.

Se na COP-25 o Brasil teve um participação ridícula, bloqueando as negociações, pedindo dinheiro por conta da preservação da Amazônia e discutindo com a sociedade civil, nesta COP já tivemos um comportamento mais participativo e flexível nas negociações, pois a delegação brasileira foi conduzida pelo Itamaraty, deixando de lado os técnicos do Ministério do Meio Ambiente; o próprio ministro do Meio Ambiente muitas vezes estava no plenário, porém sem se pronunciar, e frequentemente não havia representante brasileiro na mesa destinada ao país. Nos corredores da COP-26, houve piadas de bastidores entre os negociadores depois de o presidente Jair Bolsonaro chamar o enviando americano para mudanças climáticas, John Kerry, de “Jim Carrey”; isso virou chacota na conferência, deixando nítido a queda de prestígio do Brasil, que em outras COPs foi um grande protagonista e uma liderança nas negociações climáticas – caso exemplar foi o da COP-21, em Paris, quando a ex-ministra Izabela Teixeira liderou as negociações com a América Latina e os países do G77. Já nesta COP, para que o assunto do mercado de carbono avançasse, foi necessário o Brasil pedir a outros países que levassem as suas propostas, pois do contrário não seriam aprovadas.

Incrivelmente, pela primeira vez uma declaração no contexto da Convenção do Clima da ONU mencionou “combustíveis fósseis” como um problema a ser combatido e recomendou a redução gradual do uso dessa forma de energia.  Os interesses econômicos da indústria de combustíveis fósseis falaram mais alto que os interesses de 7,7 bilhões de pessoas. O documento fala em “esforço acelerado na redução gradual do uso desenfreado da energia a carvão e dos subsídios para combustíveis fósseis ineficientes”. Esta “redução gradual” pode se dar em 20, 40 ou 80 anos. Nenhuma meta, data ou mecanismo foi explicitado no documento em relação a este tópico.

Infelizmente não tivemos grandes avanços na COP-26; a agenda econômica dos países ainda tem mais importância do que a agenda de emergência climática

O IPCC coloca claramente a necessidade de neutralidade em emissões muito mais cedo que 2050. Para limitar o aquecimento em 1.5ºC, os países desenvolvidos teriam de zerar suas emissões líquidas em 2030 e os países em desenvolvimento, em 2040. O Brasil se comprometeu a ser neutro em emissões por volta de 2050; a Índia, em 2070; e a maior parte dos países desenvolvidos, em 2040.

Um dos pontos importantes do Acordo de Paris, o chamado Artigo 6, que regula os mercados de carbono e o comércio de emissões, teve alguns avanços na COP-26. O Pacto de Glasgow cobre alguns dos furos na negociação, que permitiria a “contagem dupla”, na qual países que vendem créditos de carbono a outros ficariam isentos de ajustar suas NDCs.  A inclusão de conservação florestal no mercado de carbono, que era do interesse do Brasil, teve sua regulamentação adiada. China, Estados Unidos e União Europeia possivelmente vão estudar a implementação de legislação para barrar importações de produtos advindos do desmatamento.

Infelizmente não tivemos grandes avanços na COP-26; a agenda econômica dos países ainda tem mais importância do que a agenda de emergência climática. Os países irão rever suas metas climáticas no próximo ano e, principalmente, os países em desenvolvimento buscarão os recursos financeiros do fundo do clima. Assim, já é melhor ir arrumando as malas com muita paciência e esperança para a COP-27, que será realizada em 2022, no Egito.

Mauro Pereira, biólogo, é diretor-executivo da ONG socioambiental Defensores do Planeta e ponto focal da América Latina para a Justiça Ambiental da Agenda 2030 da ONU.

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