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EUA Rapinoe Copa do Mundo
Jogadoras da seleção feminina de futebol celebram o título mundial.| Foto: ESTADÃO CONTEÚDO

No último dia 7 de julho foi disputada a final da Copa do Mundo de Futebol feminino. Foi uma bonita tarde em Lyon, na França. A seleção dos Estados Unidos bateu a da Holanda por 2 a 0. As norte-americanas são as maiores vencedoras da competição, com quatro títulos. Após a vitória da equipe liderada pela capitã Megan Rapinoe, o estádio gritava praticamente em uníssono "Equal pay! Equal pay!"" Era um momento de exaltação em meio a uma guerra que se arrasta há muito entre as jogadoras e a federação de futebol norte-americana. As campeãs mundiais querem receber pagamentos iguais aos dos seus pares masculinos. Essa é uma discussão de longa data nos Estados Unidos e em diversos outros países, nos mais diferentes campos de trabalho. O futebol apenas elevou o número de holofotes apontados para ela.

O ressonante “Equal pay!” gritado pela multidão no estádio ao fim da Copa foi emocionante. Só um indivíduo com muitos problemas psicoemocionais não se sentiria tocado com a cena. Assim como a imagem de Tommie Smith e John Carlos, com os braços levantados e os punhos cerrados ao receber suas medalhas nos Jogos Olímpicos de 1968, na Cidade do México, mexe com qualquer pessoa minimamente razoável até hoje. Ponto fundamental aqui: o protesto de Smith e Carlos contra o tratamento dado aos negros nos Estados Unidos (e que lhes rendeu uma punição e a expulsão dos Jogos Olímpicos) era claramente justo; o do equal pay também é?

Na segunda quinzena de junho (um pouco antes da final), legisladores do estado de Nova York expandiram o alcance da lei que proíbe que um funcionário receba “um salário a uma taxa menor que a taxa na qual um funcionário do sexo oposto é pago por trabalho igual em um trabalho cujo desempenho exija habilidade, esforço e responsabilidade iguais, e que seja executado sob condições de trabalho semelhantes”. Minha leitura deste trecho da lei me leva a pensar apenas uma coisa: excelente! Mas, como sempre há alguém com um balde de água fria para jogar sobre a alegria alheia, tenho de me deparar com pessoas se utilizando disso para subverter o que significa justo.

Um dos princípios fundamentais para que se alcance a justiça é o da isonomia, o que significa dar tratamento realmente igual às pessoas sob a tutela da lei. O tratamento isonômico visa garantir que os indivíduos (e as organizações, quando for o caso) sejam tratados igualmente quando forem iguais e desigualmente quando forem desiguais, na exata medida de suas desigualdades.

A igualdade só pode se dar de fato quando os indivíduos geram resultados iguais, com esforços iguais e em condições iguais

Na subpágina dedicada ao tema “Equal pay” (pagamento igualitário) do site do Departamento do Trabalho do estado de Nova York se lê (em tradução livre):

Pagamento igualitário

Um empregador não pode pagar taxas diferentes com base no sexo. Homens e mulheres devem receber a mesma taxa de remuneração se trabalharem: No mesmo estabelecimento; em trabalhos que precisam de igual esforço, habilidade e responsabilidade; sob condições semelhantes.

A lei permite diferentes taxas de remuneração com base em outros fatores além do gênero, como: Tempo de serviço; qualidade do trabalho; quantidade de trabalho

O Comissário do Trabalho pode fazer valer reivindicações de trabalhadores com base em violações da Lei da Igualdade Salarial semelhantes a outras leis de pagamento de salários.

É contra a lei federal que os empregadores de uma empresa coberta pela Fair Labor Standards Act paguem taxas diferentes com base no sexo.

O entendimento não pode ser mais claro: a igualdade só pode se dar de fato quando os indivíduos geram resultados iguais, com esforços iguais e em condições iguais. Querer igualar a remuneração de grupos diferentes, aqui tratando-se especialmente dos dois gêneros – masculino e feminino –, por pura ideologia igualitária pode vir a ser uma injustiça. É fundamental analisar se os dois grupos geram resultados iguais, com esforços iguais e em condições iguais.

Quando se trata dessa questão da diferença salarial entre gêneros, as análises (se é que se pode chamá-las dessa forma) no geral são as mais desonestas possíveis. A informação que se veicula foca na diferença entre os salários médios. É impossível fazer qualquer tipo de reflexão séria tomando-se as coisas dessa forma. Vejamos esta afirmação: “Em 2018, o rendimento médio das mulheres ocupadas com entre 25 e 49 anos de idade (R$ 2.050) equivalia a 79,5% do recebido pelos homens (R$ 2.579) nesse mesmo grupo etário”. Isso é de uma patifaria sem tamanho, pois transmite ao público a informação de que as mulheres, no geral, estão ganhando R$ 79,50 para cada R$ 100 ganhos pelos homens. Isso não é verdade!

Existem dados suficientes para que saibamos que há áreas ocupacionais em que a situação é muito pior que isso. Por exemplo, na área “Agricultores e trabalhadores qualificados em atividades da agricultura”, as mulheres ganham em média 64,2% do que os homens auferem de rendimento. Da mesma forma, há aquelas em que a diferença média é bem menor: na categoria “Professores do ensino fundamental”, o porcentual é 90,5%. Esses são os dados apresentados pelo IBGE no estudo “Diferença do rendimento do trabalho de mulheres e homens nos grupos ocupacionais”, com base na Pnad Contínua para 2018. O que isso quer dizer? Que, mais uma vez com base em média, as mulheres recebem menos que os homens. Mas estão gerando resultados iguais, com esforços iguais e em condições iguais? Difícil acessar informações que possam responder a isso. Daí fica-se com a média e a confusão continua. Não perca de vista: há áreas em que (novamente em média) as mulheres ganham mais que os homens. Esse é o caso em pesquisa científica, água, atividades artísticas, esgoto, construção de edifícios, organizações associativas e derivados de petróleo, para ficar em alguns exemplos.

Pode-se fazer uma análise adicional aqui: como se distribuem os gêneros em relação às formações superiores? Essa é uma questão fundamental, uma vez que formações em engenharias e ciências exatas tendem a levar os profissionais a receber maiores salários, ainda que não atuando em funções diretamente ligadas às suas formações. Análise dos dados do Censo da Educação Superior de 2017 realizado pelo Inep mostram que, dentre os 20 maiores cursos em número de matrículas para o gênero feminino, apenas quatro estão entre as áreas acima citadas. No caso do gênero masculino, esse número é de dez. Somando o total de matrículas nesses cursos, obtemos o total de 480.805 mulheres e 1.031.269 homens. Nas duas áreas, engenharias e ciências exatas, os homens ocupam quase 75% das carteiras das universidades e faculdades. O leitor pode ficar à vontade para as derivações lógicas.

Como criadores de solução que derivam em elevado valor de mercado (e comercial), entendo que é natural que um engenheiro tenha rendimentos maiores que um assistente social (sem demérito nenhum a qualquer profissional e profissão). Quero dizer que um engenheiro vai, sim, receber maiores rendimentos que um assistente social, não importa sua origem, sua fé religiosa ou seu gênero. É bem provável que um gerente de loja varejista formado em Engenharia entregue melhores resultados à empresa que um assistente social ocupando a mesma função. Lamento, mas isso é verdade; e não vejo problema algum em se admitir isso. Trata-se de uma questão de proximidade das ações necessárias no dia a dia com a educação recebida no ensino superior. Sendo assim, é natural que o nosso engenheiro ocupe melhores posições (melhores lojas com maiores benefícios) que o nosso assistente social. Afirmo ainda mais: acho justo e lógico, e defendo com unhas e dentes que, se o gerente engenheiro for do sexo feminino, ganhe mais que o assistente social do sexo masculino. Mas, pelos números que apresentamos acima, a probabilidade de que isso ocorra não é das mais altas.

Seria fundamental que as federações abrissem suas contas com extrema transparência

Voltando à questão das seleções de futebol: é extremamente natural que, se a seleção masculina gera mais visibilidade e, por consequência, mais receitas para a federação de futebol que a feminina, os jogadores recebam maiores pagamentos e benefícios que as jogadoras. Seria fundamental que as federações abrissem suas contas com extrema transparência, e que as informações acerca de receitas por tipo de seleção fossem as mais claras. Independentemente do esporte, aquela seleção que gerar mais receita (não apenas por gênero, mas por grupo etário) deve pagar os melhores salários aos seus atletas. No caso das seleções de futebol norte-americana e brasileira estes dados não estão disponíveis. Mas alguns pontos podem ser acessados. Por exemplo, pelo relatório anual da CBF podemos saber que o dispêndio com a seleção feminina é mais baixo que o realizado com as seleções de base (em 2016 foi menos da metade). Claro absurdo! No caso dos Estados Unidos a coisa é ainda pior, pois nos últimos anos os resultados e a exposição do time feminino têm sido muito maiores que a do masculino. Os homens nem chegaram a se classificar para a Copa de 2018 na Rússia, enquanto as mulheres acabam de se sagrar campeãs do mundo. Desconfio que, se as receitas fossem separadas (digo, por gênero das seleções), veríamos muito mais recursos entrando para a federação norte-americana via futebol feminino. Elas poderiam estar ganhando ainda mais que eles!

Vejamos: não deveriam as jogadoras de basquete da liga feminina de basquete americana (a WNBA) ganhar salários iguais aos dos jogadores da liga masculina (a NBA)? Por que não? Equal pay, afinal! Vamos colocar só um pouquinho de tempero nessa história. Ao saber que a WNBA gera uma receita total anual de algo na casa dos US$ 52,4 milhões e a NBA de US$ 7,4 bilhões, como se fecha a conta dessa igualdade? Deixo a resposta para o leitor.

Ao que parece, estamos caminhando para um cenário em que haverá cada vez mais transparência. Isso vai trazer luz para esse tipo de questão. As federações de futebol canarinha e ianque acabam de anunciar ajustes nos valores investidos nas seleções femininas e, por conseguinte, nos pagamentos às jogadoras. No nosso caso, a CBF triplicou o valor que pagaria às jogadoras por seu desempenho na Copa do Mundo disputada nesse meio de ano na França. Desejo que esse aumento de transparência ocorra e espero estar vivo para observar os resultados. Almejo ver minhas filhas (são duas mulheres) ganhando mais que homens na mesma posição, por serem mais competentes e gerarem mais valor nas suas atividades profissionais.

Marcos Pena Jr. é economista e escritor.

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