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Na República, não há poder absoluto

 | Rosinei Coutinho/SCO/STF
(Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF)

Em mais um julgamento polêmico, decidido pela magra maioria de um voto, a colenda Suprema Corte determinou a competência da Justiça Eleitoral para julgar feitos criminais complexos, elegendo o raso “caixa 2” político como elemento definidor da jurisdição consequente. Entre os fundamentos invocados, sustentou-se que há precedentes nesse sentido. Todavia, a jurisprudência não é feita de pedra, mas por pulsantes valores de justiça. E, num país marcado por uma impunidade política histórica, é de se supor que o entendimento reinante talvez estivesse destoando dos fins de uma ordem juridicamente justa.

Ora, embora raro e inusual, pode acontecer de uma dada Suprema Corte se distanciar da melhor hermenêutica da lei. Sobre o ponto, em letras constitucionais clássicas, a inteligência superior do bom e velho João Mangabeira registrou que “contra os desvarios transitórios da Corte Suprema, contra sua falta de visão dos interesses nacionais, forneceu a Constituição aos dois outros Poderes, duas armas de grande eficiência e de que eles tem usado raramente, nos momentos decisivos. Uma é estabelecer os casos de apelação para a Suprema Corte; outra a de fixar o número de seus membros”.

A Constituição de 88 fez do equilíbrio republicano o resultado de um mecanismo dinâmico de fluxos e refluxos de poder

A lição do discípulo amado de Rui Barbosa torna claro que, na República, não existe poder absoluto. Aliás, quando do regime de exceção, não custa lembrar que, pelo fato de terem sido nomeados por inimigos públicos, os ilustres ministros Hermes Lima, Victor Nunes Leal e Evandro Lins foram cassados. A Corte, no entanto, não ficou de joelhos; o então presidente, ministro Gonçalves de Oliveira, juntamente com o decano Lafayette de Andrada, em protesto, requereram pronta aposentadoria. Isso sem contar que, através do Ato Institucional n.º 2, de 27 de outubro de 1965, já havia o arbítrio dos interesses passageiros aumentado o número de cadeiras na corte de 11 para 16. Não por acaso, as evidências levaram o grande Aliomar Baleeiro a afirmar que “ninguém ignora que o Direito dos períodos de crise não é o Direito da época normal”.

Retomada, então, a normalidade democrática, a Constituição de 88 fez do equilíbrio republicano o resultado de um mecanismo dinâmico de fluxos e refluxos de poder, tendo, no sentimento social de justiça, o elemento legitimador de sobreposições circunstanciais. Em histórica palestra de 3 de janeiro de 1916, em Chicago, sob o título de “The Living Law”, o notável Louis Brandeis sustentou que a lei dever ser um organismo vivo, conectada à realidade dos fatos da vida e, não, um mero discurso teórico e abstrato de justiça. Por tudo, a lei deve servir às pessoas e, não, aos poderosos do momento.

Sim, há, em curso, a construção de uma nova ordem de poder no Brasil. O jogo ainda não está jogado. Se a busca de uma política decente não significa o triunfo de um denuncismo acusatório irresponsável, a manutenção de concepções dogmáticas arcaicas apenas resultará num inaceitável teatro de impunidade. Cabe ao Supremo, portanto, garantir, com equilíbrio, razoabilidade e moderação, a efetividade concreta da justiça constitucional, contribuindo para a elevação institucional e civilizatória de nosso país.

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