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É incrível a audácia e versatilidade da casta tecnocrática federal quando se trata de concentrar poder. São utilizados todos os argumentos que possam assegurar o sucesso da sua empreitada.

A versão mais recente da tentativa de ganhar poder concentra-se na unificação da tradicional Secretaria da Receita Federal, que completou agora em novembro 38 anos de existência, com a Secretaria da Receita Previdenciária, criada pela Lei n.º 11.098, de janeiro de 2005. Funde-se instituição tradicional com outra debutante. Deu-se-lhe designação pomposa – Super Receita.

Há difundido na nossa cultura um componente milagroso. As propostas e os projetos anunciados como aperfeiçoadores das instituições e que visam a erradicar mazelas e disfunções são aceitos com satisfação. Panacéias institucionais.

Não tem sido fácil, é de se reconhecer, essa tentativa de criação da Super Receita. A Medida Provisória, que inicialmente a instituiu, perdeu eficácia, pois não observaram na sua tramitação os prazos previsto no artigo 62, 3.º, da Constituição. Depois de aprovado pela Câmara o projeto de lei de conversão, o Senado deixou transcorrer o seu prazo de tramitação, sem se pronunciar. Modo elegante de rejeição.

Mas a tecnocracia não desiste. O Poder Executivo encaminhou novo projeto de lei ordinária, com algumas modificações, objetivando tornar mais palatável a empreitada. Aprovado pela Câmara, o projeto está agora na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.

O argumento decisivo para tal fusão institucional é atraente – a sua racionalização. Como as bases das contribuições previdenciárias – salário e folha do salário – sofrem a incidência do imposto de renda, na pessoa física, e constituem, respectivamente, despesa operacional, na pessoa jurídica, a racionalidade aparente é a de que deva uma única entidade realizar a sua administração, principalmente no plano de arrecadação e fiscalização.

Foi concebida tal fusão na galega, sem estudos sérios e medidas preparatórias consistentes. Utilizou-se palavrório tecnológico atraente, mas o estudo aprofundado ficou para depois. O ambiente funcional está fervendo, conforme o interesse das respectivas categorias profissionais, na fusão. Algumas delas vão mudar de atividade profissional tendo nova investidura em cargo público, sem o necessário concurso público, previsto na Constituição (art. 37, II). Óbvio que acentuaram-se as contradições, ensejando conflitos internos, conforme algumas categorias se sintam prejudicadas ou beneficiadas. No plano constitucional há uma variedade de ofensas a dispositivos básicos. Merecem abordagem específica.

O que não pode deixar de ser denunciado é que o projeto propicia a apropriação pela União de 20% dos recursos do produto da arrecadação das contribuições previdenciárias. Trata-se de recursos obtidos dos empregados e empregadores do país para atender às funções da previdência social e que devem ser depositados no Fundo do Regime Geral da Previdência Social.

Embora o projeto de lei preveja a destinação destes recursos com exclusividade para tal Fundo, ao se dar a titularidade da capacidade ativa à União, retirando-a do INSS, é de se aplicar, por hierarquia superior, a norma do art. 76, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Ele prevê a desvinculação de órgão, fundo ou despesa, no período de 2005 a 2007, de 20% da arrecadação de impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico. Prevista em 2006 uma arrecadação das contribuições previdenciárias acima de 120 bilhões de reais, a cunha introduzida no patrimônio previdenciário será superior a 24 bilhões de reais, acentuando o déficit alardeado das finanças previdenciárias.

Realmente, só no surrealismo brasileiro pode acontecer que presidente que tenha origem trabalhadora, pertencente ao Partido dos Trabalhadores, patrocine projeto de lei que promova tal espoliação da classe trabalhadora, aposentados e pensionistas.

Pode ser que a explicação seja a já realizada em outros escândalos. O presidente é o último a saber.

Daí a importância de alertá-lo, enquanto é tempo. Esse projeto de lei permite uma espoliação indecente dos recursos dos trabalhadores do país, cuja função no futuro, é a de fornecer suporte financeiro para o recebimento de direitos elementares: aposentadorias e pensões. A sua aprovação é um escárnio, em governo dito dos trabalhadores.

Osíris de Azevedo Lopes Filho é advogado, professor de Direito na Universidade de Brasília (UnB) e ex-secretário da Receita Federal.

osirisfilho@azevedolopes.adv.br

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