Se alguns membros da sociedade civil, por mais representativos que sejam, decidem contestar o Alto Episcopado Burocrático, merecerão o repúdio e o escárnio e um rótulo político desairoso
Não quero voltar ao assunto, pois esse defunto já está cheirando mal, mas o ministro Fernando Haddad resolveu aderir ao detestável hábito de muitos membros de nossa inteligentsia, de rotular negativamente os que se opõem às suas ideias e preferências. No caso, chamou de fascistas os que se opuseram ao agora notório livro de português distribuído pelo MEC, os quais segundo ele não teriam lido a obra. Foi além, julgando-os piores que Stalin e Hitler, pois esses fuzilavam os adversários que escreviam coisas incômodas, mas haveria "uma diferença entre o Hitler e o Stalin que precisa ser devidamente registrada. Ambos fuzilavam seus inimigos, mas o Stalin lia os livros antes de fuzilá-los. Ele lia os livros, essa é a grande diferença". Não conheço o grau de familiaridade do Ministro Haddad com a biografia de Stalin, ao ponto de poder afirmar que ele lia um determinado livro ou não, mas não creio que a leitura do ditador soviético altere em nada a brutalidade do fuzilamento de um inimigo político.
Acredito, porém, que Sua Excelência prestaria melhor serviço se mantivesse mais atento ao que acontece sob suas barbas e evitasse a sucessão de controvérsias em que se vê envolvido, tendo de fazer contorcionismos para explicar erros e descuidos do MEC em relação a assuntos sérios. Entre as mais recentes, está a lambança do Enem, que além de desgastar a imagem do exame e desmoralizar seus resultados, ocasionou um prejuízo de milhões de reais ao MEC. Agora, no day after da polêmica do livro, o Ministério está no centro de outra controvérsia: o já notório kit anti-homofobia. Para que os pacientes leitores não sofram a rotulação de fascistas, informo que os vídeos estão disponíveis no site Youtube onde cada um poderá aferir se a campanha é um veículo equilibrado para aumentar o nível de convivialidade e tolerância recíprocas na sociedade brasileira ou se é uma patética tentativa de dar ares de unanimidade e cientificismo a um assunto altamente complexo como a aceitação social da homosexualidade juvenil. Tentando ser moderno, Haddad é apenas modernoso.
Esse comentário não tem o objetivo de fulanizar a discussão, mas de chamar a atenção para um problema antigo que até agora não foi nem enfrentado nem solucionado na área das políticas públicas: o distanciamento entre o que ocorre na vida concreta, no "chão de fábrica" da sociedade, comparativamente ao que se passa nos refrigerados gabinetes ministeriais de Brasilia. Quando uma determinada decisão de política pública é alvo de crítica ou contestação, ministros e assessores imediatamente adotam uma posição imperial e defensiva de Roma Locuta, Causa Finita. Se o alto clero burocrático da nossa Santa Sé, Brasília externou uma opinião sobre um determinado assunto, esse assunto está encerrado, decidido, não merece mais discussão ou atenção. Se alguns membros da sociedade civil, por mais representativos que sejam, decidem contestar o Alto Episcopado Burocrático, merecerão o repúdio e o escárnio e um rótulo político desairoso.
Não resisto, apesar de minha promessa inicial, a fazer uma pergunta direta ao Ministro Haddad , já que ele continua firme na defesa de que existem formas "adequadas e inadequadas" de se expressar e não de maneiras certas e erradas de falar e escrever como pensam vários linguistas sabidamente não fascistas. Poderia Sua Excelência dar um exemplo (um único) de uma situação ou circunstância em que o emprego de "nós pega o pêxe" ou coisa parecida, pode ser considerada "adequado"? Só conheço duas: as letras de duplas caipiras como Nhô Belarmino e Nhá Gabriela e o repertório de Adorinan Barbosa. Aliás, o Ministro Haddad poderia até se lamentar com o auxílio da variedade linguística do impagável compositor paulista: "de tanto levar frechada de seu olhar... meu peito parece sabe o quê? Táuba de tiro ao álvaro..."
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