Você já deve ter ouvido em uma conversa com amigos ou em redes sociais por aí: “se não fosse a corrupção, o Brasil seria rico. Primeiro mundo”. O sentimento é comum e convence, pois encontra um culpado claro e automaticamente imoral para o nosso subdesenvolvimento: “os corruptos”. Basta identificá-los e se livrar deles, e o caminho para o progresso brasileiro estará aberto.
Seria bom se fosse tão simples.
A corrupção é um problema grave no Brasil. Mas não é o único nem o mais grave. A falta de planejamento e irresponsabilidade característica das nossas instituições custa ainda mais caro – e é ainda mais difícil de resolver.
Daron Acemoglu e James Robinson, no clássico moderno Por que as nações fracassam, indicam as razões para o insucesso de muitos países subdesenvolvidos. Não é o clima, a vegetação, a população ou até mesmo a colonização que fazem um país se desenvolver, mas sim boas instituições. Instituições ruins, como as que temos no Brasil, são fontes de insegurança jurídica, incentivos perversos e irresponsabilidade dos seus gestores – três ingredientes importantes do nosso fracasso.
Observe o caso do estado de Santa Catarina: o escândalo dos 200 “respiradores fantasmas”, comprados pela Secretaria da Saúde durante a pandemia e nunca entregues, custou R$ 33 milhões aos cofres públicos, dos quais R$ 14 milhões foram recuperados. Mas o estado tem mais de R$ 30 bilhões em obras paradas – mais de 900 vezes o valor do maior escândalo de corrupção recente. Obras importantes como a Ferrovia Leste-Oeste, que seria fundamental para baratear o transporte, evitar congestionamentos nas estradas e atenuar os altos custos de carga parada e de manutenção de caminhões. A maior parte dos produtos exportados por Santa Catarina passa por esse corredor Leste-Oeste do estado. Ainda na fase de estudos, imagine quanto dinheiro essa ferrovia parada há mais de cinco anos já nos custou.
O catálogo de obras importantes que estão paradas é longo: o saneamento na Grande Florianópolis; os novos acessos em cidades da serra e do oeste; a ampliação dos aeroportos parados; o melhoramento fluvial no Vale do Itajaí. Muitos desses casos não envolvem nenhum tipo de corrupção. Apenas incompetência e falta de planejamento.
O cenário nacional não é diferente. O total de obras paradas no país chega a um orçamento de R$ 144 bilhões. Entre os principais motivos para o atraso, 6% estão relacionados com pendências com a Justiça, Ministério Público e com os Tribunais de Contas. Os demais são por problemas relacionados com erros de projetos, problemas técnicos na elaboração das obras e falência das empresas que foram licitadas.
Para efeito de comparação, esses R$ 144 bilhões (cerca de 2% do PIB brasileiro) representam mais de três vezes o montante de crédito extraordinário utilizado para garantir o auxílio emergencial em 2021. Ou ainda pagariam 960 milhões de doses da vacina Pfizer para o combate ao Covid-19, suficiente para vacinar toda a população mais de duas vezes. Obra parada custa caro.
Talvez um dos melhores exemplos de má escolha de alocação dos recursos públicos seja o das obras da Copa do Mundo no Brasil, em 2014. Dentre as sedes, tivemos seis com 100% de dinheiro público: Rio de Janeiro, Fortaleza, Natal, Brasília, Cuiabá e Manaus. Analisando somente o caso da Arena da Amazônia, foram investidos R$ 400 milhões do BNDES e mais R$ 269 milhões do tesouro estadual do Amazonas para a construção da arena. A iniciativa privada não teve o interesse em fazer um investimento desse tamanho porque sabia que o estádio não seria muito utilizado depois de 2014. E quais foram os resultados colhidos desse investimento? Se analisarmos o ano de 2019 (pré-pandemia), se todos os jogos do Campeonato Amazonense daquele ano tivessem sido disputados ao mesmo tempo com os públicos que foram registrados, ainda assim não encheriam a capacidade da Arena da Amazônia. Uma arena de R$ 669 milhões de dinheiro público construída na mesma capital que sofreu com o colapso no sistema de saúde durante a pandemia. Mas não se faz Copa com hospitais...
A corrupção é um problema sério, e custa caro. Ela corrói a moralidade e a própria crença nas instituições, e por isso deve ser ferozmente combatida. Mas não podemos perder de vista que temos outros problemas para resolver, e precisamos começar logo. Eliminar gastos desnecessários e obras paradas não depende de investigações ou operações grandiosas. Mas depende de responsabilizar gestores por projetos malfeitos e mal executados, de fiscalizar constantemente as ações do Estado, e limitar o escopo do que ele se propõe a fazer. Estado grande e Estado eficiente não combinam.
*Bruno Souza é deputado estadual em Santa Catarina pelo Partido Novo.
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