O presidente da República, em 27 de abril, nomeou Alexandre Ramagem Rodrigues para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal, assunto que deu origem aos mais variados questionamentos de ordem moral, alegando-se que o nomeado seria amigo dos filhos do presidente, o que visaria a interferir em investigações. Em 29 de abril, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu a nomeação, o que foi seguido da decisão do presidente de tornar sem efeito o decreto em que havia nomeado Ramagem.
Diante desse contexto, os leitores poderiam indagar qual é a relevância deste artigo, considerando que a nomeação já foi revogada. Ocorre que essa situação apresentou um problema grave ao qual pouca atenção foi dada, e que tem se mostrado uma constante no cenário institucional brasileiro: o ativismo judicial, o qual pode ser entendido, em resumidas palavras, como a ação do Poder Judiciário para além de suas atribuições, usurpando competências que a Constituição conferiu a outros poderes – no caso, o Executivo. Não há maiores dúvidas de que foi isso o que aconteceu no caso, pois o artigo 84, XXV, da Constituição prevê que compete privativamente ao presidente da República “prover e extinguir os cargos públicos federais, na forma da lei”; e a Lei 9.266/1996, no seu artigo 2.º-C, dispõe que “o cargo de diretor-geral, nomeado pelo presidente da República, é privativo de delegado de Polícia Federal integrante da classe especial”.
Portanto, a Constituição e a legislação vigente preveem expressamente que cabe apenas ao presidente da República nomear o diretor-geral da Polícia Federal e que o único requisito que ele deve observar é o fato de o nomeado ser delegado(a) da PF integrante da classe especial, que é o caso de Ramagem. Observa-se que a Constituição e a lei não proíbem a nomeação de pessoa próxima do círculo íntimo do presidente – situação que não se confunde com nepotismo –, não sendo papel do Poder Judiciário criar tal exigência, cuja função constitucional é do Legislativo. Argumentos de que essa nomeação violaria o princípio da impessoalidade da administração pública e implicaria desvio de finalidade desse ato administrativo, além de serem destituídos de qualquer prova concreta neste caso, não parecem ser pertinentes em cargos cuja nomeação é privativa do presidente. De qualquer modo, nada impede que o Congresso Nacional, que é a instituição competente para tanto, altere os critérios de escolha para o cargo, o que talvez seja até desejável. Porém, reitere-se, essa decisão compete ao Poder Legislativo, e não ao Judiciário.
Precisamos ter muito claro que o efeito danoso que a cultura do ativismo judicial gera para o país não é algo abstrato, longe da realidade do cidadão comum. Afinal, essa postura tem como consequência gerar insegurança jurídica, pois as leis são o único fator que permite aos cidadãos prever se a sua conduta é legalmente amparada ou não. Porém, se o Judiciário, que deveria reforçar o cumprimento das leis, acabar por descumpri-las, qual proteção terá o cidadão contra a intervenção estatal em sua vida privada? Numa simples analogia, as regras do jogo devem ser respeitadas por todos os jogadores, e o primeiro a respeitá-las deve ser o árbitro.
Elogiar a força das instituições em países como os Estados Unidos é algo relativamente fácil de se fazer, já que se trata de uma nação que possui a mesma Constituição desde 1787, sem nunca ter rompido a tradição democrática. Porém, para termos alguma chance de um dia replicar esse exemplo bem-sucedido no que diz respeito à estabilidade institucional, precisamos de coerência, de respeito à Constituição e à lei, inclusive em situações nas quais isso não nos agrade – essa é a parte difícil.
Rodrigo Cunha Ribas é advogado especialista em direito empresarial.
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