Quando pensamos em uma prova incontestável, pensamos em algo como o DNA. Quantos pais foram identificados por ele e quantos crimes foram solucionados com seu uso! Afinal, trata-se de um teste que gera 99,9% de certeza. Como não confiar, não é verdade?
Entretanto, esse nível de certeza equivale a afirmar que, no Brasil, onde existem 200 milhões de pessoas, haverá pelo menos 200 mil pessoas (aquele 0,1%) que, num teste, terão o resultado exatamente igual ao seu. Simples assim. E não é que estes 200 mil vivam distantes uns dos outros: um deles pode ser seu vizinho de porta, seu melhor amigo ou até seu antigo professor de Matemática. Em um crime cometido na sua rua, pode haver mais de dois suspeitos que sejam dados como compatíveis neste teste.
Mas, se um exame com esta magnitude de precisão não consegue trazer uma certeza maior, o que usar ou fazer? A resposta é simples: usar a circunstância. Alguém que frequente a residência de outro e tem motivos para querer lhe fazer mal, tendo seu DNA identificado na cena do crime, torna ainda mais forte a probabilidade de que seja ele e não o seu antigo professor de Matemática. A circunstância torna-se, para o bem ou não, a chave.
Veja que, ainda que este seja um dos mais respeitados e reconhecidos testes científicos, sem ligação relacionada à situação do crime ele pode trazer um resultado que não sirva para ser considerado.
Agora, imagine: e quando os indícios nem são necessariamente ligados ao crime, mas a “sabedoria popular” construiu uma ideia de que são?
É o caso hoje de quem possui empresa “offshore”, que leva a ser imediatamente taxado de sonegador, em decorrência de uma construção retórica da mídia e do não entendimento do objetivo dessas empresas. Elas existem como meio lícito de evitar uma maior tributação, tendo o significado literal de empresa que fica “longe da costa”, ou fora do território.
Condenar quem faz esse esforço para proteger seu capital equivale a taxar de sonegadores todos os que escolhem ir para a Zona Franca de Manaus, ou até abrir um escritório na cidade vizinha que cobra um ISS menor. Uma condenação antecipada, baseada em uma evidência sem lastro, de um ato que nem sequer é ilícito.
Na ausência do conhecimento claro da razão de ser desse tipo de empresa, mesmo bons magistrados podem ser levados a ponderar em desfavor do empresário. Afinal, somos humanos e, quando desconhecemos um assunto, buscamos os registros que temos para concluir sobre ele, o que nos faz recorrer ao que ouvimos falar.
Neste mesmo contexto está a chamada disponibilidade, que é o número de vezes que escutamos uma referência a alguma coisa. Nosso cérebro, na ausência de outras referências, passa a acreditar piamente na narrativa recorrente. Da disponibilidade, não tem jeito, vem a âncora, ou ancoragem. Também um efeito psicológico que nos levar a ficar preso em um contexto, sendo o que ocorre quando, por exemplo, existem as duas afirmativas em conjunto: fulano é sonegador, ele tem uma offshore nas Ilhas Cayman.
Se o juiz estiver sob o efeito da disponibilidade (“offshore é coisa de sonegador”), a dupla afirmativa leva ao imediato julgamento pessoal de que realmente o indicado está praticando atos ilícitos (ancoragem). Neste caso, vai precisar de um esforço muito maior para demovê-lo do seu posicionamento. Conheço pessoalmente casos em que o empresário teve até sua prisão decretada para, no fim, ficar claro o engano. Mas sem fácil recomposição da imagem negativa associada.
Por isso, acredite: sem relação circunstancial, todas as provas e indícios são frágeis, ou mesmo irrelevantes. Não interessa nem o grau de certeza científica evocado e nem quanto a sociedade acredite como sinal de culpa. Afaste-se de suas crenças pessoais e das referências matemáticas, que também nos induzem ao erro por desconhecimento mais profundo sobre sua mecânica, quando precisar julgar algo ou alguém. Observe as circunstâncias e os fatos, vendo se as provas corroboram com a culpa. Só não se deixe enganar pela retórica, a matemática ou o preconceito.
Christiano Sobral, advogado e administrador, é Law Master em Direito Digital, mestre em Estratégia e especialista em Marketing, Finanças, Economia e Negócios.
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