O xeque Ahmed Yassin, ligado a filial palestina da Irmandade Muçulmana Egípcia, fundou o al-Mujama al-Islamiya ("Centro Islâmico"), uma instituição de caridade islâmica, em 1973. O governo israelense não se deu conta do novo grupo, até porque Yassin passou a oferecer serviços médicos e sociais tais como clínicas, bancos de sangue, creches e alimentação e bolsas de estudo a jovens que desejassem estudar na Arábia Saudita e no Ocidente. Com essa prática, Israel entendeu que a organização se destinava a estudos religiosos e não representava perigo Organização para a Libertação da Palestina e seus apêndices como a Fatah, a FPLP e a FDLP. Tanto que permitiu, a partir de 1979, que o Mujama fundasse uma universidade e construísse mesquitas e madraças, as escolas corânicas.
Em 1984, militares israelenses invadiram uma mesquita em Gaza onde encontraram um arsenal mantido por Yassin. O xeque e outros foram presos, mas Yassim foi liberado no ano seguinte, trocado por 1.150 palestinos como parte do Acordo de Jibril. A apreensão de tais armas, entretanto, não alertou Israel para o perigo que a organização de Yassin – que voltou para Gaza e continuou a expandir o Mujama – representava. Pelo contrário, vários especialistas israelenses acreditavam que o grupo seria um contraponto importante para enfraquecer ou tirar o protagonismo da OLP. Assim, quando em 1987, Yassin e seis outros membros do Mujama lançaram o Hamas, originalmente chamando-o de "ala paramilitar" da Irmandade Muçulmana Palestina, Israel continuou a achar que suas impressões estavam corretas.
Nos anos que se seguiram, com o Hamas cada vez mais contestando a autoridade da OLP sobre Gaza, Tel Aviv foi incapaz de reconhecer o monstro no nascedouro, embora todos os elementos estivessem lá. No final da década de 1990, o Hamas se opôs às Cartas de Reconhecimento Mútuo Israel-OLP, bem como aos Acordos de Oslo, que viram o Fatah renunciar "ao uso do terrorismo e outros atos de violência" e reconhecer Israel na busca de uma solução de dois estados. O grupo de Yassin continuou a defender a luta armada contra Israel e o uso de todos os dispositivos terroristas possíveis. O Hamas venceu as eleições legislativas palestinas de 2006 e assumiu o controle da Faixa de Gaza, expulsando o Fatah após uma guerra civil em 2007, fosse deportando fosse assassinando seus membros.
Então, onde está o “dedo” de Israel na criação do Hamas e, lançando mão de um silogismo capenga e macabro, responsável também pelo ocorrido em 7 de outubro? Em entrevista para o Wall Street Journal, em 2009, o coronel David Hacham, que trabalhou em Gaza no final dos anos 80 como especialista em assuntos árabes, afirma que “quando olho para trás, para a cadeia de acontecimentos, penso que cometemos um erro; mas na época ninguém pensou nos possíveis resultados". Arieh Spitzen, ex-chefe do Departamento de Assuntos Palestinos das Forças Armadas Israelense, argumentar que mesmo que Israel tivesse tentado deter os islamitas do Hamas mais cedo, duvida que pudesse ter feito muito para conter o Islã político, “um movimento que se espalhava por todo o mundo muçulmano".
Para satisfação dos que querem acreditar que Israel criou a situação que culminou no micro-holocausto de 7/10, Avner Cohen, escritor, historiador e professor do Middlebury Institute of International Studies, em Monterey, na Califórnia, diz que a indiferença de Israel em relação ao Hamas nos seus primórdios, alimentou a ascensão do grupo. Para ele, o Hamas foi "criação de Israel". Isso é uma rematada estupidez. É o mesmo que dizer que os EUA são os responsáveis pelo surgimento do Al-Qaeda e, por consequência, do 11 de Setembro. Não são. Quando apoiou os mudjahedin contra os soviéticos nos anos 80, Washington se pautava pela realpolitik e se Bin Laden era um dos ativos a ser utilizado contra a URSS, que fosse. Alianças circunstanciais se fazem e desfazem. Israel nunca fez aliança com o Hamas. E nem o criou.
O preâmbulo da Carta do Hamas, ata fundadora do grupo, afirma: “Israel existirá e continuará a existir até que o Islã o invalide, tal como invalidou outros antes dele”. Não há nenhuma metáfora aqui. Jeffrey Goldberg, editor-chefe do Atlantic afirmou que a Carta é um documento genocida e o comparou aos “Protocolos do Sábio do Sião”. O mesmo afirmam Philip Gourevitch, do New Yorker e Bruce Hoffman, analista político. A carta, publicada em 18 de agosto de 1988, sofreu algumas alterações, foi “suavizada” em alguns pontos, mas sua essência permanece. Então, diante de uma declaração tão evidente de que o objetivo primário do Hamas é a destruição de Israel, como Israel poderia ter colaborado para a fundação desse grupo? Só pensa assim quem quer encontrar em Israel o cúmplice pelo ato, o que, no final das contas, seria uma “justiça divina” na opinião desses antissemitas permitidos.
José Antonio Mariano é psicanalista, jornalista especializado em história militar e defesa, autor dos livros “Enquanto formos vivos, a Polônia não perecera - A Polônia nos campos de batalha da II Guerra Mundial” e “A segunda queda, o fim do império colonial francês na Indochina e o começo da era americana no Vietnã”.
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