Nas últimas semanas, um grupo de estados americanos passou novas e amplas leis restringindo o aborto. O Alabama baniu efetivamente o aborto desde o momento da concepção. A Geórgia baniu a prática a partir do momento em que os batimentos cardíacos forem detectados, assim como em Ohio, Kentucky e Mississippi. O Missouri baniu o aborto após oito semanas. Outros estados estão no mesmo movimento.
Isso provocou espasmos de raiva na esquerda, tanto na mídia como na política – o mesmo pessoal que celebrou quando Nova York passou a lei que efetivamente libera o aborto até o momento do nascimento, e que defendeu as declarações perversas sobre o aborto tardio feitas pelo governador da Virgínia, Ralph Northam.
De acordo com esses intelectuais, os conservadores usurparam um suposto “direito ao aborto” previsto pela Constituição. Isso, obviamente, é mentira. Não existe nenhum “direito ao aborto” na Constituição americana. Os pais fundadores da América ficariam chocados com tal afirmação.
A decisão da Suprema Corte em Roe v. Wade (1973) é uma monstruosidade legal sob todos os pontos de vista. Como escreveu o jurista John Hart Ely, “Roe não é uma lei constitucional, e praticamente não faz sentido a obrigação de tentar sê-lo”.
Os juízes não deveriam aplicar as próprias interpretações à Constituição
O raciocínio da corte é capcioso. Ela se baseou no ridículo precedente de Griswold v. Connecticut (1965), de que um amplo “direito à privacidade” pode ser elaborado de “penumbras, formado por emanações”. Então, a corte estendeu esse direito à privacidade para incluir o assassinato de um terceiro, uma vida humana ainda não nascida – e anulou as definições estatais da vida humana no processo.
Como? O tribunal fiou-se na noção autocontraditória de “devido processo legal substantivo” – a opinião de que uma lei pode ser julgada inconstitucional de acordo com a 5.ª e a 14.ª emendas, desde que a corte não goste da substância da lei. Isso, claro, é uma estupidez. A provisão do devido processo legal de ambas as emendas foi designada para garantir que um estado ou o governo federal não possam retirar a vida, a liberdade ou a propriedade de ninguém sem um processo legal suficiente, e não para dar carta branca aos tribunais para que invalidem as definições que o Estado dá às condutas que justifiquem a retirada da vida, da liberdade e da propriedade.
Como escreveu o juiz da Suprema Corte Clarence Thomas: “A cláusula do devida processo legal da 14.ª Emenda não é um ‘armazém secreto de garantias substantivas contra a injustiça’”. Não obstante, a noção de que tal direito ao aborto está consagrado no tecido moral dos Estados Unidos tomou conta da intelligentsia.
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Por isso, experimentamos agora o espetáculo ímpar dos esquerdistas declarando que a Constituição consagra o direito ao aborto – mas, é claro, não inclui o direito ao porte de armas, o direito à liberdade de expressão política, o direito de manter a propriedade livre das mãos do governo, ou o direito de praticar uma religião...
Para boa parte da esquerda, então, o termo “direito constitucional” simplesmente se tornou “aquilo que eu quero”. E isso é incrivelmente perigoso, dado que dessa forma o poder do Judiciário provém não do Legislativo, mas de um suposto poder interpretativo. Os juízes não deveriam aplicar as próprias interpretações à Constituição, e sim ler a Constituição tal como ela é. O uso do Judiciário como um clube levou os americanos a um sentimento de frustração radical; isso exacerbou radicalmente a lacuna cultural entre as visões políticas americanas.
Os movimentos no Alabama e em outros estados abriram um debate essencial sobre o papel dos estados, das legislaturas e do governo. Tudo isso é bom para o país. Entretanto, aqueles que insistem para que a Suprema Corte aja como um mecanismo para levar adiante suas prioridades políticas são muito mais perigosos para o país do que esse debate.
Ben Shapiro é escritor, apresentador do The Ben Shapiro Show e editor-chefe do Daily Wire. Tradução de Rafael Salvi.
© 2019 The Daily Signal. Publicado com permissão. Original em inglês.
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