| Foto: Pixabay
Ouça este conteúdo

Em 2018, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Habeas Corpus 399.109/SC, entendeu que deixar de recolher aos cofres públicos o valor de ICMS declarado configura o crime de apropriação indébita tributária (artigo 2.º, II, da Lei nº 8.137/1990), com pena de reclusão de 2 a 5 anos, e multa. Até então, a apropriação estaria caracterizada apenas nas hipóteses denominadas de “ICMS de terceiro”, ou seja, quando os valores eram retidos do contribuinte e não repassados ao Fisco pelo responsável (substituto). Nos casos de “ICMS próprio”, o não recolhimento do tributo poderia caracterizar infração em outras esferas (fiscal, por exemplo), mas não na criminal.

CARREGANDO :)

Com a evolução do entendimento jurisprudencial do STJ, um empresário que deixe de pagar o ICMS em operações próprias poderá incorrer no crime de apropriação indébita tributária, mesmo fazendo o lançamento em sua contabilidade; ou seja, mesmo estando regularmente declarado o tributo. No fim de 2019, o Supremo Tribunal Federal seguiu a mesma linha, e no julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus 163.334/SC fixou a tese de que “o contribuinte que deixa de recolher, de forma contumaz e com dolo de apropriação, o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990”.

Nessa tese, é necessário destacar duas expressões importantes para a compreensão: a contumácia e o dolo de apropriação. E o que isso quer dizer exatamente? A contumácia é a reiteração, a persistência, é deixar de recolher o tributo por várias vezes. Entretanto, os tribunais não definem exatamente por quantos meses o tributo não deve ser pago para haver contumácia. A questão sempre será decidida caso a caso.

Publicidade

Algumas decisões podem servir de referência para esta definição, como no caso do precedente estabelecido pelo STJ no Agravo Regimental no Recurso Especial 1.865.750/SC. Na hipótese, a empresa deixou de recolher o tributo por três meses, mas, por não haver informação sobre contumácia ou sobre o não recolhimento em outros períodos, não estaria configurado o crime. Em outra decisão, no Recurso Especial 1.852.129/SC, o STJ afirmou que não há contumácia quando o não pagamento é um evento isolado na gestão da pessoa jurídica, tendo perdurado por apenas quatro meses. Por outro lado, na decisão que firmou a tese no STF, o tribunal reconheceu que houve contumácia na conduta do sócio administrador da pessoa jurídica que não recolheu o tributo por oito meses, ainda que o débito tenha sido escriturado nos livros fiscais.

A segunda expressão mencionada é o dolo de apropriação, que consiste na intenção de se apropriar do valor. Essa intenção é analisada a partir de circunstâncias objetivas, como, por exemplo: o inadimplemento prolongado sem tentativa de regularização dos débitos; a venda de produtos abaixo do preço de custo; a criação de obstáculos à fiscalização; a utilização de “laranjas” no quadro societário; a falta de tentativa de regularização dos débitos; o encerramento irregular das atividades; e a existência de débitos inscritos em dívida ativa em valor superior ao capital social integralizado.

Empresários estão sujeitos a responder um processo criminal por causa dessa situação, além do próprio processo de execução fiscal

Em grande resumo, segundo é possível extrair das mais recentes decisões dos tribunais superiores, não havendo o recolhimento do ICMS próprio, de forma contumaz, e havendo uma circunstância objetiva que demonstre o dolo de apropriação, os tribunais entendem que a conduta configura o crime de apropriação indébita tributária.

Esse entendimento é amplamente questionado pela comunidade jurídica, principalmente por indicar que se passou a criminalizar a mera inadimplência tributária. Contudo, esta orientação é a que prevalece nos tribunais, e os empresários estão sujeitos a responder um processo criminal por causa dessa situação, além do próprio processo de execução fiscal para pagamento do tributo devido.

Publicidade

Ana Paula Kosak é advogada, mestre em Direito e especialista em Direito Penal e Criminologia.