Com o início da vacinação nacional contra a Covid-19, surgiram diversos questionamentos sobre a eficácia das diversas marcas e origens de vacina, e também a respeito da celeridade no desenvolvimento e no uso de tecnologias experimentais. Um desses questionamentos, de cunho jurídico, é se, ao recusar a vacina, o empregado poderá ser demitido por justa causa, como sugeriu o Ministério Público do Trabalho (MPT); ou punido pelo Estado, conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal nas ADINs 6.586 e 6.587, e no AResp 1.267.879.
Ocorre que o inciso VI do artigo 5.º da Constituição elenca a liberdade de consciência e crença como garantia fundamental individual, e do artigo 6.º ao 11 constam os direitos sociais da saúde e do trabalho. Recusar a vacina, então, faz conflitar normas individuais (liberdade ideológica) e coletivas (saúde); a solução pode ser encontrada na escusa de consciência (artigo 5.º, VIII, da Constituição), em que o bem comum é protegido por meio de prestações alternativas como, por exemplo, observar as instruções sanitárias de respeitar o distanciamento social, usar máscara e álcool em gel, home office etc. Porém, a recusa com base nesse fundamento só pode ser feita por adulto em plena capacidade civil, pois o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e as jurisprudências análogas, decorrentes da recusa de transfusão de sangue por motivo religioso, obrigam a vacinação de crianças e adolescentes.
Voltando ao caso dos empregados: em suma, o MPT não considerou que as atuais instruções sanitárias são prestações alternativas; que ninguém pode ser demitido por motivo ideológico, pois é discriminação; que não há doses suficientes para vacinar a todos; que não há proporcionalidade na punição sugerida; que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) já possui rol taxativo previsivo para demissão por justa causa; e que novas analogias tornam o empregado mais suscetível ao empregador. Visto o descompasso com a CLT e a própria Constituição, a parte final do guia do MPT deve ser compreendida apenas como uma recomendação e quecasos extremos só podem ocorrer após procedimento disciplinar em que se assegure ampla defesa. O STF, por sua vez, decidiu que a vacinação, embora possa ser compulsória, não deve ser forçada; que é concorrente a competência dos entes federados na deliberação sobre o tema; e que, mesmo sem delimitar as sanções, deve-se proteger os direitos individuais.
Então, um trabalhador em plena capacidade civil que siga as instruções sanitárias, mas não queira vacinar-se, não pode ser demitido por justa causa, nem sofrer reprimendas estatais, dada a escusa de consciência adotada por qualquer ideologia.
Acyr de Gerone e Gustavo Lima da Silva são advogados e membros da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB/PR.
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