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Após o período de redemocratização no Brasil, quase todos os presidentes eleitos foram vinculados a algum feito relevante que lhes deu projeção nacional e que foi fundamental para alcançarem o posto desejado, além de serem vistos como candidatos “da renovação”, ou seja, que vinham de fora da política tradicional.
O ex-juiz não poderá bater somente em uma tecla para que tenha reais chances de sucesso nessa importante empreitada.
O primeiro presidente eleito de forma direta no período, Fernando Collor, esculpiu a imagem de “caçador de marajás” durante seu mandato como governador de Alagoas. Fernando Henrique, o ministro da Fazenda que acabou com o período de inflação alta, também era visto como um candidato da renovação e fora da política tradicional. Lula certamente não era o político tradicional e trazia ares de renovação, além de ser fortemente associado aos direitos trabalhistas e às classes menos favorecidas.
A forte redução da pobreza, aumento da renda e melhora na distribuição de renda em seus dois governos foram suficientes para eleger Dilma Rousseff, vista como um governo de continuidade do seu antecessor. Finalmente, apesar de quase três décadas como deputado federal, Jair Bolsonaro conseguiu construir a imagem de um político que não estava associado à política tradicional e que representava os valores tradicionais da família brasileira e o combate à corrupção.
De todos os candidatos da chamada “terceira via” para as eleições de 2022, Sergio Moro é aquele que mais se aproxima das características de um candidato de fora da política tradicional e com um feito relevante que ganhou notoriedade em nível nacional. Certamente, o ex-ministro da Justiça não é um político, muito menos tradicional. Seus feitos como juiz da Lava Jato lhe deram projeção nacional como uma das principais figuras do país na luta contra a corrupção, sobretudo de figuras políticas e empresários com enorme poder político e econômico. Nunca na história de nosso país se viu uma operação como a Lava Jato, que colocasse atrás das grades políticos de peso e empresários poderosos que tinham relações promíscuas com o setor público, ameaçando várias outras figuras poderosas e corruptas que acumulam fortuna e prestígio à custa do povo brasileiro.
Certamente o ex-juiz não poderá bater somente em uma tecla para que tenha reais chances de sucesso nessa importante empreitada. Mostrar que está cercado por técnicos competentes em áreas como economia, saúde, educação e redução da pobreza, trazendo propostas nessas áreas que sejam coerentes, será fundamental para trazer confiança em sua candidatura. Também será fundamental mostrar que tem “jogo de cintura” para trazer apoio de políticos de diferentes partidos, elemento essencial para a governabilidade de qualquer presidente da República, mas sem entrar no jogo tradicional da política brasileira. No entanto, não deve deixar de enfatizar seus pontos fortes, que serão essenciais para trazer e consolidar o apoio popular.
O presidente Bolsonaro comemorou como sendo um “gol de placa” a ida de Moro para o Ministério da Justiça. No entanto, hoje parece que foi mais um “tiro no próprio pé”, pois é o pré-candidato com chances reais de tirá-lo do segundo turno. Tarefa que não parece ser tão difícil diante de tantos erros do atual governo nas mais diversas áreas.
Luciano Nakabashi, doutor em Economia, é professor associado da Fearp/USP e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Economia da Fearp/USP.