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Há milhões de jovens saídos do sistema de educação que não mais estudam porque não querem ou não podem, e não trabalham porque não sabem ou não conseguem.
Há milhões de jovens saídos do sistema de educação que não mais estudam porque não querem ou não podem, e não trabalham porque não sabem ou não conseguem.| Foto: Unsplash

Já assisti ao naufrágio. Ele já não pode ser evitado. Tenho plena consciência das dificuldades que temos pela frente na vida social, econômica e política do país. E é exatamente porque realista que me torno otimista e tenho esperança nisto que chamo “missão resgate”. Confio na ação positiva e construtiva dos bons pais, dos bons professores, dos bons brasileiros, se conscientizados diante do cenário que vou expor.

Há exatamente um ano, em 24 de junho de 2022, o site de notícias da Globo proclamava que o Índice de Escassez de Talentos no país superou média global, atingindo 81%. Em sequência, a matéria afirmava que o Brasil é um dos 10 países com mais dificuldade para preencher vagas de emprego.

A educação pode fazer prodígios! Mas é um desastre onde escolas e professores parecem mais interessados em ter um militante na mão do que dois alunos estudando.

Um ano antes, em 2021, o Banco Mundial divulgou uma pesquisa sobre capital humano, índice que avalia a capacidade produtiva da força de trabalho em todos os países. A expressão tem um sentido técnico e sugere uma perspectiva “capitalista” da Educação que deve sugerir intensa animosidade numa sala de aula de qualquer curso de Pedagogia. No entanto, é bom e útil que esse levantamento tenha sido feito. Os indicadores que leva em conta são expressivamente humanos. Tão humanistas quanto mortalidade infantil, saúde e educação. É penoso ler os resultados e é furo no casco, causa naufrágio rejeitar uma pesquisa porque o resultado constrange quem lhes deu causa: o Brasil ocupa a posição nº 91, logo abaixo da Jordânia e uma posição acima de Samoa Ocidental.

Há poucos dias, o Estadão divulgou que 11,5 milhões de brasileiros com idades entre 15 e 29 anos não estudam nem trabalham. São os nem-nem. São jovens saídos do sistema de educação do país, que não mais estudam porque não querem ou não podem, e não trabalham porque não sabem ou não conseguem. Quem são os responsáveis por isso?

O uso político da sala de aula não é uma particularidade brasileira. Está se tornando problema mundial.

Circula na rede um vídeo comovente. Ele conta a história da orquestra criada em Cateura, no Paraguai, formada por jovens de uma comunidade de catadores de lixo. Usa material reciclado para construir, entre gente paupérrima, exitosa experiência social e artística que arrancou entusiásticos aplausos de auditórios lotados em diversos países europeus. A educação pode fazer prodígios! Mas é um desastre onde escolas e professores parecem mais interessados em ter um militante na mão do que dois alunos estudando.

O resultado é uma perda inominável, que derruba o PIB futuro e arrasta consigo o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Quando se mantém a custa de precariedades, bolsas e de rações, o IDH é estacionário e faz com que estejamos decaindo ao 87º lugar entre 194 países. Esse não pode ser o destino de um povo com tantas potencialidades naturais e humanas.

O uso político da sala de aula não é uma particularidade brasileira. Está se tornando problema mundial. Ela controla o vocabulário, estabelece o index das ideias, autores e obras proibidas, sepultadas ou banidas. Ela impõe, como peculiaridade nossa, a educação paulofreireana. Política e revolucionária por concepção e definição do seu criador, tal pedagogia põe trava nos alunos, cumprindo a tarefa de vê-los sociologicamente, como membros de uma classe social “em luta”. Classe na qual devem ser revoltados agentes da transformação revolucionária. Para tanto, a história vira narrativa e nada acontece como os olhos veem nem como a ciência e a experiência ensinam.

As vítimas desse processo, negado a eles o contraditório e a linguagem, têm horizonte de pequena abertura, trazido para a ponta do nariz e acabam pensando dentro de uma caixinha, que é exatamente o objetivo dessa pedagogia malsã! Difícil imaginar algo mais perverso do que fazer isso com uma criança, com um adolescente, com um jovem, afogando seu futuro dentro de uma sala de aula.

Em março de 1964, aprovado no vestibular,eu ingressei na Faculdade de Arquitetura da UFRGS. Tinha dezenove anos, portanto, quando testemunhei o processo de expurgo de alguns de meus professores por motivos ideológicos. Faltava-me formação para identificar toda a extensão do equívoco que estava sendo cometido, mas me sobravam razões morais para reprová-lo. Manifestei minha opinião publicamente e, embora jamais tivesse tido qualquer simpatia pelas teses da esquerda, o episódio me valeu uma ficha no DOPS.

Decorridos quase sessenta anos, sem ter sido esquerdista um minuto sequer da minha vida, assisto na cadeia produtora da educação no país a repetição do mesmo erro. Está acontecendo de novo, pelo lado oposto, sem direito de defesa, sem possibilidade de revisão nem de indenização. Desta feita, mediante o emprego de mecanismos em que a violência assume aspectos dissimulados e sutis. Pense nisso, leitor. Está em construção um movimento nacional envolvendo pais, professores e comunidades com a missão de resgatar a juventude brasileira do naufrágio de seus talentos e oportunidades.

Percival Puggina, membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de “Crônicas contra o totalitarismo”, “Cuba, a tragédia da utopia”, “Pombas e Gaviões”, “A Tomada do Brasil”. Integrante do grupo Pensar+.

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