Aristóteles, em seus ensinamentos a Nicômano, aconselhava que país algum deveria conflitar com nações vizinhas e com países com os quais mantivessem relações comerciais. A milenar sabedoria aristotélica perfeitamente se aplica à atualidade quando afirma que nações vizinhas e parceiras comerciais devem desenvolver e praticar continuadamente a estratégia da sobrevivência recíproca que advém da negociação.
Igualmente sábia é a afirmação de que países não têm amigos. Países têm interesses. Governantes e gestores podem ser amigos de governantes e gestores de outros países, porém relações de amizade ente pessoas não significam garantia de salvaguarda de interesses nacionais. É a prática continuada, indispensável e fundamental da negociação quem garante o equilíbrio das relações de interesses ora convergentes ora divergentes das nações envolvidas.
Nesse contexto, as negociações internacionais devem ser entendidas como a defesa dos interesses nacionais que podem ser classificados como interesses da nação, interesses das empresas nacionais e interesses dos cidadãos nacionais.
Os interesses de uma nação decorrem de um projeto nacional de desenvolvimento e de inserção no concerto internacional das nações Economias Globalizadas Abertas e Competitivas. Os interesses nacionais se expressam através de um projeto nacional de desenvolvimento, que confere sustentação às estratégias de negociações internacionais na defesa dos interesses de um país em relação aos interesses de outras nações. O projeto nacional de um país é o seu desenvolvimento econômico e social e abrange a sua necessidade de arrecadar impostos para financiar os investimentos em saúde, segurança, educação e infra-estrutura.
Os interesses das empresas estão consolidados na busca do lucro através da oportunidade de movimentar e trocar fatores de produção de recursos naturais, bens semi-industrializados ou bens acabados, recursos financeiros, tecnologias, pesquisa e desenvolvimento e investimentos conjuntos.
Os interesses dos cidadãos estão voltados à procura por oportunidades de ocupação econômica, trabalho, renda e liberdade de diversificar consumo entre produtos nacionais e internacionais que tenham maior valor e menor custo.
O contraditório no momento atual entre Brasil e Bolívia está nas divergências de interesses das nações. De um lado a Bolívia querendo preservar os seus recursos nacionais de gás natural, para alavancar o próprio desenvolvimento econômico e social. Do outro lado, o Brasil, através da estatal Petrobrás, tentando garantir o suprimento da alternativa energética do gás natural que possibilita a produção de bens e serviços a custos menores e com maior qualidade, capazes de competir nos mercados nacionais e internacionais com produtos e serviços de outras nações.
O desafio é negociar de forma eficiente para que as empresas, os cidadãos e os interesses de ambos os países sejam satisfeitos e preservados. Portanto, é fundamental colocar as respectivas cartas na mesa e negociar.
A Bolívia tem os recursos naturais de gás no subsolo e deve utilizá-los como alternativa para estimular e acelerar o desenvolvimento nacional atraindo capitais externos que se somem aos capitais nacionais. Para a Bolívia neste momento falta capital, tecnologia e alternativa estratégica para explorar e exportar os recursos naturais que dispõe, de forma a facilitar o desenvolvimento econômico nacional. A Bolívia tem países vizinhos auto-suficientes em alternativas energéticas de gás e petróleo. Não tem saída para o mar e terá dificuldades para exportar sua matéria-prima para outro país que não o Brasil. Se o gás boliviano não for explorado e comercializado de nada lhe valerá, pois perderá a oportunidade de acelerar o desenvolvimento nacional a partir da base de exploração e exportação do gás natural. O que está em jogo não é a demagogia e o populismo, mas as alternativas para o seu desenvolvimento nacional, melhoria da qualidade de vida do seu povo, contando com investimentos de capitais bolivianos e capitais internacionais. E para que isso aconteça é necessária a confiança recíproca entre os países Brasil e Bolívia.
O Brasil necessita da alternativa energética do gás natural. É o grande mercado alternativo para o gás da Bolívia, tanto no presente quanto no futuro. A presença da empresa estatal brasileira Petrobrás na Bolívia não é a presença de uma empresa privada em busca de lucro, mas uma opção tecnológica e de capital de cooperação e alianças entre países e nações soberanas que reconhecendo as respectivas independências e soberanias concordaram e concordam em cooperar estrategicamente para o atendimento de interesses recíprocos.
É sabido que a atuação internacional implica necessidade de adaptação a diferentes culturas, diferentes ambientes econômicos, políticos, tributários e fiscais. Há riscos de conflitos ideológicos, de ordem social e legal, e de interesses diversos internos e externos. Entretanto, existem contratos legais de direitos nacionais e internacionais que precisam ser preservados e respeitados. A ordem jurídica e os acordos entre nações devem ser mantidos sob pena de anarquia e do império de bacumin.
Portanto, Brasil e Bolívia devem negociar como nações soberanas e autônomas, sem a intervenção e intermediação de países vizinhos, que se em nada colaboram neste momento, muito podem atrapalhar. O que está em jogo é o que se quer negociar. Com quem se quer negociar. Como conciliar os interesses nacionais do Brasil com os interesses nacionais da Bolívia de curto, médio e longo prazo, que garantam a salvaguarda dos interesses de ambas as nações, das empresas de ambos os países e da melhoria da qualidade de vida dos cidadãos brasileiros e bolivianos. Se o petróleo é nosso. O gás é da Bolívia. Sendo assim, não existe alternativa que não seja a de negociar com base nos interesses dos cidadãos, das empresas e do projeto nacional de cada país envolvido.
Antoninho Caron é professor de Negócios Internacionais UniFAE Business School; consultor e doutor em Engenharia da Produção UFSC.
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