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Opinião do dia 1

Nelson Rodrigues puro

Na peça "O Boca de Ouro", de Nelson Rodrigues, a amante casada conta para o bicheiro-título que o marido lhe tomara satisfações pois descobrira tudo. O Boca de Ouro pergunta: "E você não negou?". "Como poderia negar, ele nos viu abraçados dentro do automóvel". O bicheiro didaticamente explica: "Tem de negar sempre, negar sempre! Veja: uma vez um sujeito me pegou em flagrante com a mulher dele em um hotel. Essa mulher negou tanto, mas negou tanto que a certa altura o marido já estava em dúvida, a polícia estava em dúvida e até eu já estava em dúvida!" (Nota aos leitores mais jovens: os flagrantes policiais de adultério faziam parte até pouco tempo atrás do arsenal jurídico brasileiro: cônjuges traídos mobilizavam a polícia para lavrar um flagrante do adultério e depois se separar sem ter de arcar com pensões. O flagrante era feito com o habitual espalhafato dos policiais para delícia dos circunstantes que se aglomeravam na porta do "local do crime" e viam sair, constrangidíssimos, os personagens do triângulo amoroso. Às vezes, dando o último toque farsesco à cena, os espectadores vaiavam os maridos traídos e aplaudiam o casal de pombinhos enamorados).

O comportamento dos petistas nos casos de corrupção é puro Nelson Rodrigues. O deputado João Paulo é pego em flagrante mentindo a respeito do propósito de uma visita de sua mulher a uma agência bancária, mente de novo ao reformar a primeira versão, sustenta a mentira mesmo quando o relator do processo no Conselho de Ética demole, pedra por pedra, as suas versões, mente para os membros do Congresso ao fazer sua defesa oral. O ex-presidente da Caixa Jorge Mattoso é pego em flagrante bisbilhotando o que deveria estar sigiloso na vida do caseiro Francenildo. Na nota oficial em que relata os fatos, Mattoso nega o envolvimento com qualquer crime e se coloca na posição de um diligente servidor da nação que se surpreendeu porque um correntista do banco que dirige tinha mais dinheiro na conta do que "devia" e que imediatamente agiu de acordo com suas obrigações, mandando apurar o fato. O Coafi, encarregado de monitorar a lavagem de dinheiro sujo e operações financeiras suspeitas nega que estivesse tentando intimidar o caseiro quando adia investigações sobre bilhões de dólares que transitam alegremente e sem origem clara na conta de alguns brasileiros notórios e decide dedicar seu precioso tempo para investigar uma vultosa movimentação de R$ 25 mil, algo como 12 mil dólares. O ministro Palocci, principal beneficiário da quebra de sigilo do caseiro, se encontra com o presidente da Caixa a portas fechadas em sua casa, recebe cópia do extrato bancário que é a prova irrefutável do crime, mas nega ter pedido ou divulgado o mesmo. Ao contrário, afirma tê-lo rasgado para evitar que o mesmo viesse a público (com um pequeno atraso de quatro dias depois de tê-lo recebido). Seu assessor de imprensa, suspeito de ter vazado a informação para um jornal, nega veementemente tê-lo feito, apesar de ter estado na casa de Palocci na noite em que o extrato foi entregue ao ex-ministro. E a Polícia Federal, rápida em ouvir o caseiro como "investigado", nega ter encontrado qualquer indício de crime para suspeitar do assessor de imprensa, lembrando que o indiciamento significa tão somente que existem – como o nome indica – indícios de que algum crime foi cometido, não se constituindo em uma conclusão e sim em uma mera suspeita fundada.

Dois assessores do ministro da Justiça também estavam presentes, mas negam ter tomado conhecimento do extrato e afirmam ter apenas recebido uma consulta do agora ex-ministro sobre a possibilidade de abrir uma investigação na Polícia Federal para apurar o "enriquecimento ilícito" do caseiro. Eles pedem tempo para responder e negam ter sequer cogitado que tal conhecimento tivesse sido oriundo de uma bisbilhotice ilegal na conta de Francenildo. Ao fundo, o ministro Márcio Thomas Bastos argumenta que estava em viagem a Roraima (ou Rondônia, não me lembro) e nega ter tomado conhecimento do assunto. Não lhe causou estranheza nem curiosidade o fato de dois assessores diretos seus serem chamados à casa do então ministro da Fazenda à noite para discutir um assunto-surpresa. Seus assessores, por sua vez, negam ter colocado o ministro a par do insólito convite mesmo na era das comunicações instantâneas.

Na acareação entre Paulo de Tarso Wenceslau e o indefectível Paulo Okamoto, o presidente do Sebrae nega ter intimidade com a vida financeira do presidente Lula, apesar dos diversos depoimentos anteriores de petistas em contrário; nega ter solicitado a prefeitos petistas a lista de fornecedores da prefeitura para buscar "apoios" entre eles, apesar dessa acusação ter sido corroborada pela agora notória deputada Ângela Guadagnin, então prefeita de São José dos Campos. E o presidente Lula nega ter tomado conhecimento de qualquer fato ou indício a respeito dos fatos que sucessivamente derrubaram todo o seu estado-maior: José Dirceu, Sílvio Pereira, Luiz Gushiken, José Genoíno, Antônio Palocci, Jorge Mattoso e outros menos votados. Todos parecem repetir para a população a pergunta de Groucho Marx: "Que é que vocês preferem? Acreditar em mim ou nos seus próprios olhos?" De minha parte, confio mais nos meus próprios olhos.

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