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Nem liberal, nem conservador

Bolsonaro está sob pressão por causa da alta nos preços dos combustíveis, que é influenciada pela cotação do dólar.
Presidente Jair Bolsonaro. (Foto: Evaristo Sá/AFP)

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Paralisado pela pandemia, o governo Bolsonaro chega ao seu terceiro ano de mandato sem ter o que comemorar. Passou os primeiros dois anos a deblaterar contra o STF e, principalmente, contra o Congresso, gerando atritos que impediram o avanço das reformas prometidas na campanha presidencial e ansiadas pelo país.

Até agora, os passos de Bolsonaro deixaram claro apenas um interesse: o da reeleição (dispositivo que jurou erradicar), tentando a todo custo impedir um possível impeachment. Isto implicou a negociata com o Centrão, uma agremiação de oportunistas que praticamente domina a política brasileira há décadas e cobra caro por qualquer apoio, nunca definitivo e sempre insaciável. Em dois anos, a “nova política” se revelou apenas uma ilusão.

Neste início de fevereiro, Bolsonaro supostamente obteve duas vitórias, na Câmara dos Deputados e no Senado, elegendo candidatos por ele apoiados. Foi a consagração do acordo com o Centrão da velha e rapineira política brasileira. Se a vitória foi de fato sua, só o tempo dirá. E o tempo é curto: apenas dois anos para aprovar as reformas encalhadas no primeiro biênio.

É significativo que, no mesmo dia em que Bolsonaro saudou os novos presidentes do Legislativo, a força-tarefa da Lava Jato era decepada em Curitiba por ordem do MPF. Como bem ressaltou a Gazeta do Povo em editorial, foi uma derrota para o Brasil.

Qual a conclusão disso tudo? Nestes dois anos, Bolsonaro não revelou qualquer apego aos princípios e valores defendidos na campanha, em que contou com o apoio de liberais, conservadores e antipetistas em geral (incluído este articulista) – conjuntura que não se repetirá em 2022. Salvo uma ou outra medida liberal na economia, como a Lei da Liberdade Econômica, o conjunto de reformas travou. Por outro lado, com a saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça, o pacote anticrime foi destroçado, favorecendo condenados do próprio campo legislativo.

Tudo somado, o bolsonarismo se tornou apenas uma ideologia, com seu séquito de fanáticos cegos à realidade. E ideologia foi o que grande parte dos eleitores jogou ao lixo nas eleições de 2018 para derrotar o lulopetismo, particularmente os que seguem a filosofia liberal-conservadora.

O fato é que conservadores e liberais são infensos à ideologia desde sempre. Basta lembrar filósofos como Russell Kirk, Kenneth Minogue, Eric Voegelin, Michael Oakeshott e James Burnham. Kirk, por exemplo, afirma que “ideologia não significa teoria política ou princípio”, mas “fanatismo político”, tanto à esquerda quanto à direita. “Enquanto eu me agarrar fervorosamente à ideologia”, escreve Burnham, “não há acontecimento, observação ou experimento que possa, em hipótese alguma, contradizê-la”.

Como ideologia, o bolsonarismo se situa na extrema-direita, e não na direita liberal-conservadora. Para a turba de seguidores, o líder máximo jamais erra: se as coisas não acontecem conforme sua vontade, é por culpa das instituições, que são um obstáculo para o governo. Em poucas palavras, as instituições clássicas do Estado de Direito e da democracia são, para os extremos à direita e à esquerda, apenas um estorvo. De preferência, deveriam ser eliminadas.

Bolsonaro, portanto, não é nem liberal nem conservador. É um ideólogo – como Lula, na vertente oposta. Falando apenas para seu movimento – que, não raro, incita contra os demais poderes –, o presidente se afasta dos liberais e conservadores que o apoiaram na última eleição. Anti-ideológicos, estes dificilmente voltarão a formar a ampla coalizão de 2018.

Orlando Tambosi é professor aposentado da UFSC, jornalista e doutor em Filosofia.

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