As práticas ilegais, por parte do governo Barack Obama, de interceptação de comunicações e dados de cidadãos, empresas e membros do governo brasileiro, incluindo a presidente Dilma, nem de longe se assemelham às ações da femme fatale Mata Hari, a famosa dançarina holandesa executada em 1917 por espionagem a favor dos alemães durante a Primeira Guerra Mundial. A espionagem hoje em dia também não tem mais o charme de Sidney Reilly, o "Ace of Spies" cujos difarces permitiram-lhe trabalhar para vários lados, no inicio do século 20, e cujas características serviram de inspiração para a criação do famoso personagem James Bond.

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Sem nenhum glamour, a Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA), vinculada ao Departamento de Estado, desenvolveu um amplo programa de monitoramento via telefone e internet que lhe permite acessar dados de cidadãos do mundo todo. O que tal programa realiza, em verdade, é a violação gravíssima dos direitos individuais de liberdade, privacidade e intimidade, além de desrespeito aos princípios de igualdade soberana dos Estados, não intervenção em assuntos internos e autodeterminação. Contraditoriamente, tais atos foram praticados justamente pelo governo do país que propôs que "a diplomacia deveria atuar sempre francamente e à luz do público", nos termos do célebre discurso do presidente Woodrow Wilson condenando a diplomacia secreta amplamente praticada nas vésperas da Primeira Guerra.

O fato chamou a atenção da comunidade internacional e nacional para a necessidade de uma regulamentação internacional das comunicações, garantindo segurança aos usuários dos mais diversos meios de comunicação, cada vez mais avançados em função do progresso tecnológico.

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No plano internacional, normas internacionais e órgãos de controle são necessários, seja através da criação de uma instituição, seja através da utilização de estruturas já existentes, como a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), ou a União Internacional das Telecomunicações (UIT), ambas vinculadas à ONU. O que não pode ocorrer é a continuidade do vazio normativo e institucional, sempre ocupado pelo mais forte quando se trata de relações internacionais. E o mais forte, nesse caso, é o país mais desenvolvido no plano científico e tecnológico.

Para realizar a espionagem, a NSA usou empresas e provedores norte-americanos que repassaram os dados ao governo. Isso porque a grande maioria das comunicações em todo o mundo passa por essa infraestrutura dos EUA, não sendo diferente em relação à comunicação dos brasileiros.

No plano do direito interno, portanto, há de se resgatar a autonomia brasileira em relação às comunicações. É preciso fundar um novo ponto de partida normativo, resgatar ações de inteligência e realizar obras de infraestrutura. O incidente recolocou na agenda brasileira antigos projetos, como a criação de meios de tráfego de dados que não circulem pelo território norte-americano, através do uso da fibra ótica via cabos submarinos, por exemplo.

"Retaliações" aos EUA seriam uma boa estratégia para o governo brasileiro, com uma roupagem mais diplomática, é claro. Acerta a presidente Dilma ao adiar sua visita a Barack Obama e ao mencionar o tema na abertura dos trabalhos da Assembleia Geral da ONU. Sobre a compra dos caças, o Brasil deveria desistir dos norte-americanos e investir nos franceses. Ou nos russos – e assim dar um final nada hollywoodiano ao caso.

Tatyana Scheila Friedrich, doutora em Direito, é professora de Direito Internacional Privado da UFPR.

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