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Pelo que tenho visto nas ruas de Brasília ou na televisão, com cariocas e turistas lotando as praias, ou mesmo na “histeria” que alguns têm alegado, os brasileiros não entenderam ainda que o problema da Covid-19, não é a sua letalidade, que é baixa, mas sim o contágio, que é exponencial e avança de forma assustadora. Para termos uma ideia da velocidade do contágio, segundo alguns modelos matemáticos, se o governo chinês não tivesse tomado medidas enérgicas para conter o avanço da doença, o número de contaminados pela Covid-19 somente na China chegaria a nada menos do que 57 milhões de pessoas num espaço curtíssimo de tempo.
Este é o real problema da Covid-19. Apesar da sua letalidade média ser baixa (4% na média geral e apenas 0,2% para quem tem menos de 40 anos e é saudável), a velocidade da sua contaminação simplesmente destruiria os sistemas de saúde. A matemática aqui nos é de grande auxílio: 5% dos infectados precisam para a UTI e 3% precisam de respirador. Já por esse número vemos que a mortalidade para quem precisa de UTIs é altíssima (em média 80%). Ao contrário do que muitos pensam, não é “uma gripezinha”, é uma nova Sars (a síndrome aguda respiratória grave). Uma versão mais branda da primeira Sars, mas muitas vezes mais contagiosa. 5% de 57 milhões de infectados seriam nada menos que 2,85 milhões de pessoas.
A OMS recomenda um mínimo de um a três leitos de UTIs para cada 10 mil pessoas (o que na China, um país de 1,4 bilhão de habitantes, dá exatamente de 140 mil a 420 mil leitos, cerca de 5% a 15% do necessário). Se nada fosse feito para controlar o avanço exponencial da doença, as pessoas com sintomas mais graves simplesmente ficariam sem atendimento, morrendo à míngua. Sem contar que pessoas com outras doenças ou condições (infarto, AVC, atropelamentos, ferimentos a faca ou arma de fogo, queimaduras, acidentes etc.) também precisariam de UTIs e não as teriam. Pessoas aos montes iriam morrer de Covid-19 e ao mesmo tempo morreriam de uma série de outras causas, por falta de UTIs.
Se vemos a quarentena como distópica, o que não seria um cenário como esses? Não é histeria; é realismo, ciência, ou seja, predição com dados coletados. Dizer que isso é “histeria” é obscurantismo e falta de empatia. Não contida enquanto é tempo, a Covid-19 destrói os sistemas de saúde dos governos. O sistema de saúde italiano está em colapso, porque o número de pessoas que necessitam de UTI, de repente, cresceu exponencialmente, exatamente como se uma catástrofe natural, como um terremoto de grandes proporções, tivesse acontecido. Para termos uma ideia da velocidade da contaminação, há um mês, em 17 de fevereiro, a Itália tinha apenas três infectados e nenhum morto. A única forma de frear isso, de evitar o colapso do sistema de saúde, ainda mais mortes e caos, é diminuir o ritmo do contágio, e isso só é possível isolando as pessoas e, consequentemente, paralisando a economia. Diante do ritmo exponencial, assombroso e vertiginoso do contágio do novo coronavírus, não há alternativas.
Não devemos temer morrer da Covid-19; devemos temer o colapso do nosso sistema de saúde e a recessão necessária para vencermos esse novo coronavírus. Diante da recessão que se avizinha, não há muito o que os governos possam fazer para evitá-la. O máximo que podemos fazer é reduzir os danos. É fato: a recessão já está contratada. Em nível global e nacional.
A Covid-19 é uma doença que nos obriga a pensar no coletivo. Devemos nos cuidar não tanto pensando em nós, pois a taxa média de letalidade é de cerca de 4%, mas devemos nos proteger do coronavírus, seguindo a principal recomendação das autoridades sanitárias (ficar em casa) para não repassar a doença a alguém que poderá morrer por estar no grupo de risco: ter mais de 60 anos ou doenças preexistentes, crônicas, como diabetes, problemas cardíacos, problemas renais, ou ainda pessoas que estejam com imunidade baixa por estarem se submetendo a quimioterapia ou radioterapia.
O que essa doença terrível nos pede é solidariedade, empatia, ou seja, amor ao próximo. Vamos todos nos cuidar, ou seja, ficarmos em casa, não por medo (pois a chance de morrermos disso é mínima); vamos nos cuidar pensando na coletividade e nas pessoas mais vulneráveis à ação desse vírus terrivelmente contagioso. Vamos nos isolar, evitar reuniões, aglomerações, contato físico. Em 2020, este ficar em casa não deve acontecer por pânico ou por histeria, mas sim por empatia, por solidariedade, por amor ao próximo.
Dimitri Martins é mestre em Administração, especialista em Gestão Pública e analista de Políticas Sociais no Ministério da Economia.