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Nem todo mundo queria o homem na Lua

Foto da pegada de um astronauta da missão Apollo 11 no solo da lua. (Foto: Nasa)

Esta semana faz 50 anos que mais de 1 milhão de norte-americanos foram de carro, avião e até de barco para o Cabo Canaveral, na Flórida, para testemunhar o lançamento da Apollo 11 – que culminaria, quatro dias depois, em 20 de julho de 1969, com a vitória dos Estados Unidos sobre a Rússia na corrida espacial.

Menos de um mês depois, quase 500 mil jovens seguiram em caravanas e grupos a pé, caminhando em meio aos carros, para assistir ao festival de música de Woodstock, realizado no estado de Nova York, onde dançaram sob a chuva, no meio da lama, ao som de músicas críticas ao país, principalmente por causa da Guerra do Vietnã.

Como é que esses dois eventos, que pareciam estar a anos-luz um do outro, se realizaram praticamente em sequência?

Uma resposta é que tanto a Apollo 11 como Woodstock simbolizaram uma divisão cultural drástica em relação à situação do país e à direção que estava tomando, cujo auge ocorreu em meados de 1969. Será que os EUA deveriam ter gasto US$ 20 bilhões para ganhar uma batalha da Guerra Fria e colocar o primeiro homem na Lua? Ou, em vez disso, deveriam ter se comprometido financeira e politicamente para tentar solucionar a série de problemas que já afligia o planeta – não só a guerra no Sudeste Asiático, mas também a discriminação racial, a poluição e a desigualdade de gêneros?

Aqueles que foram para o Cabo Canaveral sem dúvida apoiavam a primeira opção. O então presidente Richard Nixon os chamou de "os esquecidos", a "maioria silenciosa" que, em 1957, se apavorou quando a União Soviética lançou o Sputnik, primeiro satélite a orbitar a Terra, e apoiou entusiasmada o programa espacial como meio de se equiparar aos russos tecnologicamente e promover o sistema democrático e de livre mercado doméstico internacionalmente.

Hoje, a conquista do espaço se tornou basicamente uma empreitada comercial assumida por empresários bilionários

Já quem se reuniu em Woodstock e se opunha à guerra via as coisas de outra forma. Para essas pessoas, a missão Apollo fazia parte do "establishment", uma peça do "complexo militar-industrial-espacial" que trabalhava clandestinamente para adaptar a tecnologia espacial e usá-la no Vietnã. Estudantes da Nova Esquerda participaram de protestos pacíficos no Laboratório de Física Pupin da Universidade Columbia e se engajaram em uma campanha de um ano de fóruns, paralisações e manifestações contra o famoso Laboratório de Instrumentação do MIT, porque ambos conduziam pesquisas para a Nasa que foram utilizadas pelos militares no Vietnã.

Segundo um membro do Estudantes por uma Sociedade Democrática, grupo que organizou várias manifestações de repúdio à Nasa nos campi ao redor do país, o programa espacial como um todo era "uma arma do establishment militar que só faz consumir nossos recursos".

E eles não eram os únicos a levantar tais questões: o movimento pelos direitos civis também denunciou, com grande alarido, a corrida espacial. Na véspera do lançamento da Apollo 11, o reverendo Ralph Abernathy – que se tornara presidente da Conferência da Liderança Cristã do Sul após o assassinato de Martin Luther King, no ano anterior – seguiu em marcha para o portão oeste do Centro Espacial Kennedy com 25 famílias negras e pobres e quatro jumentos puxando duas carroças bambas.

Abernathy explicou à imprensa reunida ali que a Campanha dos Pobres não era um protesto contra a nave Apollo, visível a distância na plataforma, mas sim um questionamento do que chamou de "senso distorcido de prioridades" de um país que deixava 20% de seus cidadãos sem alimentação adequada, roupas e moradia. "Quero que os cientistas, engenheiros e técnicos da Nasa descubram uma maneira de usar seus conhecimentos para solucionar os problemas que nossa sociedade enfrenta", disse ele.

Os ativistas ampliaram seu argumento com protestos passivos no Centro Espacial Johnson, em Houston, manifestações nos desfiles realizados em Nova York pela volta dos astronautas e boicotes aos lançamentos das outras naves Apollo, aterrissagens lunares, caminhadas na Lua e a volta à Terra, eventos que eles optaram por não acompanhar nem comemorar.

Outros movimentos de base aderiram à causa. Os ambientalistas denunciaram os lançamentos pelo emporcalhamento do Cabo Canaveral, e a corrida espacial como distração do problema da poluição, cada vez mais grave. E tentaram convencer o Congresso a forçar a Nasa a ser mais responsável em matéria ambiental. As feministas, em conjunto com a Organização Nacional para as Mulheres, engrossaram os abaixo-assinados, fizeram piquete na porta da sede da agência em Washington e entraram na Justiça para mudar suas práticas sexistas de contratação e o corpo de astronautas, composto só de homens.

O Congresso e a Nasa conseguiram, em grande parte, ignorar essas reclamações porque o país praticamente inteiro apoiava a iniciativa espacial; entretanto, depois que Neil Armstrong e Buzz Aldrin pisaram na superfície lunar, ganhando a corrida, a aprovação começou a minguar, ao mesmo tempo que crescia a pressão do público para que o governo usasse os bilhões da verba dedicada ao espaço em questões mais prementes. Não demorou para que os políticos começassem a fazer coro aos ativistas.

Em discurso pouco antes do lançamento da Apollo 11, o senador Ted Kennedy – cujo irmão, John Kennedy, prometeu colocar um homem na Lua antes do fim da década de 60 – afirmou que "uma parte substancial da verba dedicada ao espaço pode ser aplicada em problemas mais urgentes aqui na Terra". O Congresso concordou e até 1974 já cortara o orçamento da agência em mais de 20%.

Para estancar o declínio de sua popularidade e de seu orçamento, a Nasa começou a abordar algumas das reivindicações dos grupos ativistas: em 1971, por exemplo, suspendeu grande parte da pesquisa que fazia para a Guerra do Vietnã; no ano seguinte, lançou o que por fim seria conhecido como Landsat, o primeiro de muitos satélites a reunir dados usados por cientistas ambientais para monitorar a poluição da terra, ar e água; e, dois anos depois, tomou as primeiras providências para abrir seu grupo de astronautas para as mulheres.

A agência também criou seu próprio Escritório de Projeto para Sistemas Urbanos, em 1972, para adaptar as tecnologias espaciais e, com isso, ajudar a população carente. Um exemplo, cujo sucesso foi apenas parcial, foi a parceria entre seus engenheiros e os do Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano para acomodar os sistemas de aquecimento e refrigeração de baixo consumo usados nas cápsulas nos projetos de moradia de baixa renda.

Hoje, a conquista do espaço se tornou basicamente uma empreitada comercial assumida por empresários bilionários como Elon Musk, Jeff Bezos e Richard Branson. "Queremos uma nova corrida espacial", afirmou o primeiro, mas hoje ela seria uma disputa entre empresas privadas, e não entre países.

Essa privatização deu maravilhosamente certo no âmbito econômico: Musk construiu seu foguete Falcon Heavy por um décimo do valor do Saturno V, aquele que levou Armstrong, Aldrin e Michael Collins à Lua. Os norte-americanos devem encorajar essas iniciativas de mercado livre, sim, mas também ter consciência de que têm potencial para se tornarem armadilhas.

Empresas particulares de voos ao espaço como SpaceX, Blue Origin e Virgin Galactic estão sujeitas aos interesses de seus acionistas, e não do público. Ao contrário da Nasa no fim dos anos 60 e início dos anos 70, podem perfeitamente ignorar os protestos nas ruas e se concentrar nos ricaços que querem comprar passagem para uma viagem às estrelas.

Se dermos prioridade a essas empreitadas comerciais às custas de um programa espacial financiado basicamente pela agência nacional, distanciaremos a exploração da esfera pública, limitando nossa capacidade de guiá-la e moldá-la. E também enfraqueceremos nossa democracia.

É por isso que, na semana do 50.º aniversário do lançamento da Apollo 11, devemos comemorar não só o incrível feito da aterrissagem segura na superfície lunar, mas também aplaudir aqueles que foram às ruas para desviar a atenção da corrida espacial para os inúmeros problemas que temos em terra.

Neil M. Maher é professor de História do Instituto de Tecnologia de Nova Jersey e da Universidade Rutgers, em Newark, e autor, mais recentemente, do livro Apollo in the Age of Aquarius.

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