Em meu recente depoimento à CPI das ONGs do Senado, tive a oportunidade de comentar um aspecto pouco conhecido sobre a introdução no Brasil do movimento ambientalista, um instrumento de uma agenda de interesses oligárquicos de potências industrializadas, em especial, o eixo anglo-americano.
De fato, o ambientalismo trazido ao País a partir da década de 1980 foi implementado inicialmente na África Subsaariana duas décadas antes, como parte do movimento de “descolonização” do continente, que converteu uma dominação colonial direta em uma espécie de neocolonialismo “invisível”, principalmente, nas antigas colônias britânicas. Ali foi ensaiada a gestão de vastas áreas convertidas em parques naturais, muitas delas geridas direta ou indiretamente por organizações não-governamentais (ONGs), como a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) e o World Wildlife Fund (WWF, hoje World Wide Fund for Nature), criado em 1961 por altos oligarcas britânicos e holandeses, entre eles os príncipes consortes Philip e Bernhard. Na década de 1990, esses parques, muitos dos quais situados nas fronteiras de dois ou três países e, com frequência, sobre áreas de ocorrência de recursos minerais, representavam mais de 8% da área da África Subsaariana. Na Tanzânia, cerca de 40% do território chegaram a ser administrados pela ONG Tanzania Natural Parks, que até hoje atua em estreita cooperação com o WWF.
Para o Brasil, por instância direta de Sua Alteza Real Philip, o WWF criou a ONG Survival International, com a missão específica de fomentar a formalização do Parque Yanomami
Como parte do processo de reformatação do colonialismo, muitos integrantes das elites africanas que liderariam a “descolonização” foram educados em universidades europeias, em grande medida, incorporando os princípios de governança que manteriam seus países sob o domínio de fato dos interesses das potências colonizadoras. Processo semelhante ao que ocorre hoje com os gestores da agenda ambientalista-indigenista, em ONGs, na academia, órgãos públicos, setores do Judiciário e na mídia, seduzidos por doações milionárias para ONGs, linhas de pesquisa, cursos e seminários internacionais com despesas pagas, salários de cinco dígitos em moedas fortes e outras benesses.
A rigor, o planejamento do movimento ambientalista como um instrumento político contra as pretensões de desenvolvimento dos países não industrializados remonta ao pós-guerra imediato, em 1948, quando altos oligarcas anglo-americanos criaram três entidades-chave para o impulso antidesenvolvimentista: o Conselho Mundial de Igrejas (CMI), a UICN e a Conservation Foundation. De forma emblemática, as constituições das duas primeiras foram redigidas pelo Foreign Office britânico, já engajado na agenda da “descolonização”. Ambas ainda estão ativas hoje, enquanto a Conservation Foundation fundiu-se com o WWF em 1990.
A UICN e o WWF (ambos baseados em Gland, Suíça, onde compartilharam a mesma sede durante anos) estão entre as maiores ONGs ambientalistas do mundo, com orçamentos combinados na casa das centenas de milhões de dólares e presença efetiva em mais de 60 países. Em vários países africanos, o WWF já foi acusado de cumplicidade direta com vários abusos e crimes cometidos contra as populações que vivem nas proximidades dos parques.
Nas décadas de 1960-70, o CMI criou um autêntico centro de treinamento para militantes “anticolonialistas” na Universidade de Dar-es-Salaam, na Tanzânia, na qual foi professor o pedagogo brasileiro Paulo Freire
Para o Brasil, por instância direta de Sua Alteza Real Philip, o WWF criou a ONG Survival International, com a missão específica de fomentar a formalização do Parque Yanomami. A iniciativa se tornaria o precedente para a criação de numerosas reservas indígenas no território brasileiro, com frequência, inviabilizando toda sorte de atividades produtivas, que, inclusive, poderiam beneficiar os próprios indígenas, muitos dos quais se ressentem das dificuldades para assegurar o próprio sustento. Com a experiência adquirida, a ONG expandiu sua atuação a vários outros países com populações indígenas.
O CMI é, igualmente, um caso exemplar. Entre os seus fundadores, processo iniciado ainda antes da II Guerra Mundial, destacava-se John Foster Dulles, que viria a ser secretário de Estado dos EUA no governo de Dwight Eisenhower (1953-1961), enquanto seu irmão Allen Dulles ocupava a direção da Central Intelligence Agency (CIA). Outro deles foi o britânico Lorde Lothian, para quem as soberanias nacionais representavam uma “influência demoníaca”. Oficialmente dedicado à promoção do ecumenismo religioso, na verdade, sua especialidade é a manipulação de questões referentes ao meio ambiente, direitos humanos, povos indígenas, luta pela terra, desarmamento civil e outros temas de grande apelo público, como instrumentos de uma autêntica guerra irregular contra Estados nacionais situados na alça de mira do Establishment oligárquico anglo-americano. Nas décadas de 1960-70, o CMI criou um autêntico centro de treinamento para militantes “anticolonialistas” na Universidade de Dar-es-Salaam, na Tanzânia, na qual foi professor o pedagogo brasileiro Paulo Freire. Outra vertente da sua atuação foi a promoção da chamada “Teologia da Libertação” na Ibero-América, pelo que foi severamente criticado pelo então presidente da Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano, cardeal Joseph Ratzinger (o futuro papa Bento XVI), em 1997.
No Brasil, o CMI foi crucial para a criação do Centro Ecumênico de Informações (CEI), em 1964, depois convertido no Centro Ecumênico de Informação e Documentação (CEDI), e do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), braço indigenista da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Em 1994, o CEDI dividiu-se em três ONGs especializadas: Koinonia (agenda “identitária”); Ação Educativa (direitos humanos); e Instituto Socioambiental (ISA – agenda ambientalista-indigenista). Esta última viria a tornar-se um dos principais enlaces das ONGs brasileiras com o aparato ambientalista-indigenista internacional, sendo uma das mais beneficiadas com as doações milionárias de fundações privadas e governos que controlam a agenda “verde-indígena” global.
Na órbita do CMI, enquadram-se outras entidades integrantes da guerra irregular contra o Estado soberano brasileiro, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Via Campesina, Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Viva Rio, International Rivers e outras.
Em paralelo com campanhas contra empreendimentos de infraestrutura física em geral, um alvo prioritário desse vasto aparato de guerra irregular tem sido o setor elétrico, com as campanhas contra usinas hidrelétricas (inviabilizando, em especial, as de grandes reservatórios) e a energia nuclear, já prejudicada por um atraso de décadas pelas indecisões de sucessivos governos sobre o setor. Agora, a agenda da “descarbonização” se concentra em promover as fontes eólicas e solares, cujas deficiências para a operação na base do sistema elétrico (a chamada energia “despachável”) são amplamente conhecidas, insistência que tende a agregar ainda mais custos, instabilidade e ineficiência ao abastecimento de eletricidade.
Por ironia, embora o continente tenha sido um campo de provas das técnicas de intervenção depois aplicadas no Brasil, atualmente, muitos países africanos estão contestando a agenda ambientalista/catastrofista das mudanças climáticas. Tanto na conferência climática COP-27, no Cairo, no final de 2022, como na recente cúpula Rússia-África, em São Petersburgo, vários deles deixaram claro que não renunciarão ao uso dos seus recursos de hidrocarbonetos nos seus esforços de desenvolvimento, pretendendo, inclusive, recorrer à energia nuclear. Como afirmou, em São Petersburgo, a fundadora da ONG sul-africana Africa4Nuclear, Princess Mthombeni, o continente é incapaz de realizar uma transição para a “energia verde”, pelo simples fato de que mais de 400 milhões de pessoas não têm acesso à eletricidade em qualquer forma – um dos resultados da “descolonização” orientada pelos antigos colonizadores.
O Brasil, ao contrário, parece estar mergulhando de cabeça e acriticamente na agenda da “descarbonização” da matriz energética e da economia, e seu programa nuclear encontra-se praticamente à deriva, como se observa pelo virtual abandono da usina Angra 3 por três décadas.
Neste aspecto, seria positivo seguir a inspiração dos africanos comprometidos com a reconstrução do continente para o século XXI.
Lorenzo Carrasco é jornalista, presidente do Movimento de Solidariedade Ibero-americana (MSIa) e da Capax Dei Editora. Entre seus livros estão "Conselho Indigenista Missionário: Filho da Mentira" (2016) e "Máfia Verde: o ambientalismo a serviço do Governo Mundial" (2001).