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Neoindustrialização e commodities: a convergência necessária
| Foto: Gazeta do Povo

Qual deve ser o foco de uma política industrial? A verdade é que boa parte da discussão sobre o recente anúncio de políticas de neoindustrialização, ainda que traga pontos importantes sobre o papel do Estado e as más experiências recentes, passa ao largo dessa questão que me parece ser central. Não que a discussão de política industrial não seja relevante ou conveniente. Para um país preso na armadilha da renda média, com a produtividade estagnada há décadas, e em um momento de grande transformação global, é legitimo reconhecer que existem espaços para algum tipo de indução. O problema fulcral é um entendimento equivocado do que deveria ser a natureza de uma política industrial – especialmente no panorama econômico e tecnológico do século XXI.

A política industrial, por ser uma intervenção na dinâmica econômica, deveria ter um foco maior nas assimetrias e falhas tendo em vista um objetivo de avanço na fronteira produtiva. No entanto, quando se olha a política industrial, incluindo as mais antigas, de diversos governos, o que se constata é um remendo para compensar a falta de competitividade econômica sistêmica.

Por incapacidade de fazer os ajustes estruturais e superar a disfuncionalidade da economia nacional, a opção acaba sendo tratar o tema apenas com medidas paliativas.

Para aumentar a produtividade e ter uma matriz econômica e industrial robusta, não deveriam ser necessárias ações focadas, mas apenas a boa gestão do Estado: infraestrutura, capacitação de recursos humanos, segurança jurídica e pública, integração internacional e custo de capital adequado. Mas parece que, por incapacidade de fazer os ajustes estruturais e superar a disfuncionalidade da economia nacional, a opção acaba sendo tratar o tema apenas com medidas paliativas que, na maior parte das vezes, cria mais distorções e piora os problemas estruturais.

O foco da ambição e do desenho de instrumentos da política industrial deveria ser promover a inovação de impacto nos espaços em que efetivamente o país tem condições de ser um líder global e ator relevante das cadeias de valor internacionais. Um exame dos setores em que o Brasil possui vantagens absolutas e comparativas dá um bom indício de onde deveria estar o foco: agropecuária, mineração e energia (a indústria aeroespacial mereceria uma menção, por ser o único setor de alta intensidade tecnológica em que o Brasil é competitivo internacionalmente).

Parece, para alguns, contraditório falar em “política industrial” e falar de foco nos chamados “setores primários”. Mas é necessário superar o discurso fácil de que o atraso do país é devido a sermos uma “economia primaria exportadora de commodities”. Na verdade, mais do que superar, precisamos inverter o ângulo: como usar os setores em que temos fortalezas para avançar a fronteira e gerar crescimento econômico substancial? Uma vez superado o pré-conceito, não é difícil perceber os enormes espaços para adensar a cadeia produtiva de alto valor e intensidade tecnológica nestes setores. Há uma significativa intersecção entre as tecnologias passando por mais profundas transformações e os desafios e oportunidades nestes setores.

Outro ponto a ser superado é fixação com o adensamento da cadeia produtiva, como se não houvesse oportunidades de alto impacto na transformação do próprio processo produtivo dessas indústrias, com transbordamentos significativos. É preciso sair da armadilha conceitual de imaginar que uma indústria extrativista é de baixa intensidade tecnológica. Para colocar um pouco de perspectiva histórica: a inovação símbolo da revolução industrial, a máquina a vapor, é resultado da busca em transformar a atividade de mineração da Inglaterra, líder dessa indústria no século XVIII. Quais potenciais revoluções estão latentes na transformação das cadeias de valor, a montante e a jusante, da mineração, da agropecuária e energia no Brasil? Qual o impacto na produtividade agregada da economia brasileira desenvolver um setor de alta intensidade tecnológica suprindo P&D e equipamentos e serviços sofisticados para transformar a agricultura, por exemplo?

Olhando apenas para tecnologias emergentes com potencial de transformações radicais, é notável que a discussão deveria sobre temas como o desenvolvimento e fortalecimento de empresas inovadoras em nível global – grandes, médias e pequenas – de inteligência artificial, internet das coisas, robótica e sistemas autônomos de realidade aumentada e virtual e computação quântica voltadas para agricultura, mineração e energia, especialmente renovável.

Isso não significa que ter uma indústria nacional de computadores, automóveis ou equipamentos pesados não seja desejável. Mas uma economia minimante funcional já deveria ser suficiente para isso, dado o tamanho do nosso mercado interno. Por outro lado, se quisermos, para pegar um exemplo, ter um adensamento produtivo em materiais baseados em natureza, explorando a rica biodiversidade nacional, precisamos investir de forma substancial não apenas nos fundamentos científicos de temas como simulação computacional ou análise bioquímica, mas também na estrutura produtiva e comercial para que essas empresas prosperem.

Computação quântica para simular clima? Drones autônomos para aspersão? Bioengenharia para aumentar regeneração de solo? Inteligência artificial para simulação de cadeias logísticas? Todos são desafios na pauta de inovação tecnológica em qualquer nação. Todos são nativos à matriz produtiva agro brasileira. Vale olhar com cuidado a frase de Ozires Silva, que liderou a empresa âncora do único setor de alta intensidade tecnológica em que o Brasil conseguiu criar vantagem comparativa: “O Brasil é grande demais para sonharmos pequeno”.

Ao invés de tentar corrigir de forma artificial as falhas de mercado provocadas pela própria disfuncionalidade do Estado, a política de “neoindustrialização” deveria usar, de forma focada, as vantagens existentes como plataformas de transformação da capacidade de inovação e criação de riqueza nacional. É aí que reside o caminho apropriado para ações de indução de alto impacto.

Denis Balaguer é diretor de inovação e do wavespace da EY para América Latina.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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