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Nunca foi tão difícil como hoje captar a essência que define a política internacional. O ano próximo assinala não só um século do início da Primeira Guerra Mundial, mas vinte e cinco anos da queda do muro de Berlim e começo do fim do comunismo.

Entre 1914 e 1989, jamais se teve dúvida sobre qual era o jogo estratégico dominante, ou a respeito da identidade dos principais adversários de cada lado. Quando as guerras mundiais não ocupavam esses anos, uma trégua precária e sinistra antecipava o conflito seguinte.

Faz quase um quarto de século que o vazio criado pelo desaparecimento do antagonismo entre EUA e União Soviética não consegue ser preenchido por nada de permanente. O ideal, é claro, seria que a colaboração para fortalecer as Nações Unidas e resolver os problemas globais do clima e da miséria substituísse em definitivo os conflitos do passado.

Como a consciência moral da humanidade está longe desse nível, o que temos visto é a disputa entre dois conflitos para definir a agenda dos grandes problemas internacionais. Aquele que vem dominando o jogo até agora é o choque entre o ocidente e o fundamentalismo islâmico.

Os problemas do Oriente Médio, que sob a forma da primeira guerra do Golfo tinham se apoderado do centro do palco antes até da morte formal da URSS (31/12/1991), ganharam um componente novo de fundamentalismo religioso depois dos atentados de Onze de Setembro. A partir de então, os EUA vivem no Afeganistão, Iraque, Iêmen, em qualquer refúgio de terroristas, guerra que dura já 12 anos, o dobro da Segunda Guerra Mundial!

O desígnio de Obama era libertar-se dessas guerras e transferir o eixo estratégico para a Ásia do Leste e o entorno da China. Lá é que se concentraria cada vez mais o crescimento econômico e de população; nessa área é que os americanos julgavam necessário conter o poderio chinês e tranquilizar os vizinhos assustados com a ascensão do antigo Império do Meio.

A chamada política do pivô ou reequilibragem do eixo pena, porém, para sair do papel, pois suas precondições não se realizaram. A primeira consistia na plena recuperação da economia dos EUA, o que, com desemprego acima de 7%, obviamente não se concretizou, apesar das melhoras. As duas condições seguintes se frustraram ao fracassarem a missão do senador Mitchell junto a palestinos e israelenses assim como a de Holbrooke no Paquistão-Afeganistão.

Não só essas feridas permanecem abertas. Outras novas supuraram: o caos na Líbia, o fracasso da Primavera Árabe no Egito, a carnificina na Síria, da qual Obama foi salvo por um triz pela malícia de Putin. Nessa região, avanços num setor criam complicações em outros. Israel não confia nas negociações com o Irã, a Arábia Saudita não se conforma com o adiamento do ataque à Síria, a Turquia compra sistema antibalístico dos chineses!

Com tais aliados e desafios, é difícil crer num próximo desengajamento americano do Oriente Médio. O panorama estratégico se parece aos versos do poema de Fernando Pessoa: "Tudo é incerto e derradeiro. / Tudo é disperso, nada é inteiro." Cada vez mais, o mundo está envolto em nevoeiro.

Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) e ministro da Fazenda no governo Itamar Franco.

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