Nesta semana em que o Brasil comemorou a maioridade da Constituição de 1988, vimos na tela da televisão, em rede nacional, a notícia de um fato que coloca em questão o próprio estado de direito. Eu me refiro, por óbvio, à barbárie perpetrada por integrantes do chamado Movimento Sem Terra (MST) em uma fazenda produtora de laranja no vizinho estado de São Paulo.
O que as imagens mostram são pessoas destruindo estimados sete mil pés carregados de laranja, próximos da colheita, numa demonstração de vandalismo que nos põe a pensar sobre o que move de fato esses brasileiros. Sim, embora protegidos pela Constituição Cidadã, não hesitam em desrespeitá-la, fazendo do seu exercício de vontade ideológica uma lei maior que a própria carta que rege a vida em sociedade neste país.
Há 21 anos, o Brasil decidiu ser generoso consigo mesmo, ao abrigar, pela obra do corpo de parlamentares constituintes, demandas sociais as mais variadas, tangidas, em sua grande maioria, por um sentido de inspiração moral muito caro à democracia.
Implantar um Estado de Bem-Estar Social, em que direitos individuais deixassem de ser frases de efeito de passeatas de protesto e, por fim, se tornassem lei, foi, seguramente, um objetivo claro de grande parte dos autores do documento constitucional.
Uma geração depois, os avanços brasileiros em cada estado e região são visíveis em indicadores como a elevação da taxa de escolaridade e da renda média e a decrescente taxa de mortalidade infantil, todos com reflexo direto no cada vez maior índice de desenvolvimento humano nacional. E se, por certo, ainda temos muito por fazer, seguramente estamos em um quadrante da história da nossa gente que é bastante superior, em qualidade de vida, àquele no qual a Constituição foi aprovada, duas décadas atrás.
E não se enganem aqueles que, porventura, pensem não haver relação de causa e consequência. Há, sim, porque o país em que vivemos hoje é a colheita daquela semeadura.
O próprio reconhecimento do mundo ao avanço das instituições brasileiras é um fato, exposto na confiança internacional dos investidores e em conquistas como a escolha do nosso país para abrigar, no breve espaço de dois anos, edições da Copa do Mundo e da Olimpíada.
A credibilidade duramente conquistada por nós, brasileiros, precisa ser cuidadosamente preservada. E isso também só é possível se o estado de direito for respeitado.
Há de se diferenciar a reforma agrária como política de Estado consistente há vários governos, responsáveis, no seu conjunto, pelo assentamento de milhões de brasileiros nas últimas décadas, daquilo que, em episódios como o que vimos agora, se mostra apenas um estratagema ideológico que faz da necessidade real de terra para plantar um pretexto para o desrespeito calculado à Constituição.
Afinal, esta não foi a primeira demonstração do gênero cometida por membros do MST. Em verdade, existe um longo histórico de ações semelhantes registradas pela imprensa ao longo de décadas.
E, embora não diminuam a relevância de um movimento de fundo social que ajudou a sociedade como um todo a olhar para o Brasil profundo e carente dos grotões e trabalhar para transformá-lo, tais ações são pura e simplesmente inaceitáveis. Até porque a reforma agrária, como política pública, é maior que qualquer um dos movimentos reivindicatórios existentes.
Cabe, sim, às autoridades, providências. A quem comete crime em desrespeito ao estado de direito, as barras da justiça. E isso inclui aqueles que cometem crime ambiental.
O Brasil tem um conjunto de leis modernas e eficazes. Basta cumpri-las. Imaginem-se as pessoas que destruíram os laranjais produtivos sem a camiseta que os identifica, como se fora um salvo conduto, mas vestidos com qualquer outra roupa, e imediatamente fica claro que um uniforme não lhes retira a condição de vândalos que cometeram mais de um crime grave e passível de punição legal.
Para além disso, prestaram um desserviço ao próprio MST no que o movimento tem de experiências produtivas positivas em vários assentamentos legalizados, inclusive no Paraná.
Ver as coisas como realmente são, sem o filtro ideológico que tende a tornar românticas e justificáveis ações que não passam de uma demonstração da incapacidade de certas pessoas de viver em uma sociedade regida pela lei, é também um bom desafio para testarmos os alicerces da nossa ainda jovem democracia.
A fazenda vandalizada produz laranjas, gera trabalho e riqueza, divisas para o Brasil e contribui com impostos que retornam à sociedade na forma de serviços públicos essenciais.
Respeitar quem produz é homenagear a Constituição do Brasil.
E nenhum cidadão brasileiro está acima da Constituição, não importa a cor da roupa que use.
Nelson Justus, deputado estadual, é presidente da Assembleia Legislativa do Paraná