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“Um ministro do STF que articula nos bastidores do Congresso votos para uma lei escapa completamente de suas funções. É um ministro Tabajara.” (Fernando Gabeira, em O Globo de 4 de junho de 2017, referindo-se a Gilmar Mendes).
O título de “ministro Tabajara”, colado por Gabeira em Gilmar Mendes, é adequado, mas não suficientemente elucidativo. A língua portuguesa fornece adjetivos bem mais explicativos: farsante, enganador, embusteiro, hipócrita, astucioso... Poderia, ainda, adicionar parte da catilinária que lhe fora dirigida por seu colega do STF, o ministro Luís Roberto Barroso: “Você [Gilmar Mendes] é uma pessoa horrível. Uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia. É bílis, ódio, mau sentimento, mal secreto, uma coisa horrível. Vossa Excelência nos envergonha. Vossa Excelência é uma desonra para o tribunal. Uma desonra para todos nós. Vossa Excelência sozinho desmoraliza o tribunal. Não tem ideia, não tem patriotismo, está sempre atrás de algum interesse que não o da Justiça. Uma vergonha, um constrangimento”.
Se o leitor acha que o ministro Barroso e eu estamos sendo excessivamente rigorosos, que leia o vergonhoso diálogo telefônico do então senador Aécio Neves com Gilmar Mendes, em 2017, sobre um projeto de lei que beneficiaria os supostos corruptos do Congresso, aí incluído o próprio Aécio. O registro da conversa telefônica entre o tucano mineiro e o ministro do Supremo foi feito pela Polícia Federal e é de domínio público. Aquele diálogo, nada republicano, entre o então senador e o ministro, feito na manhã de 25 de abril de 2017, mostra os dois combinando articulações para a tramitação mais conveniente do projeto de lei que endurece as punições a autoridades que, supostamente, cometem abuso. Na gravação, Aécio pede a Gilmar que convença o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) a acompanhar o seu voto. Gilmar, prestativo, promete telefonar a Flexa imediatamente. A gravação foi feita, segundo a PF, dentro das investigações da Operação Patmos, que tinha como foco endereços e pessoas ligadas a Aécio no Rio, em Brasília e em Belo Horizonte. Digno de nota é o fato de que, naquele mesmo dia, antes da conversa telefônica, Gilmar Mendes já tinha decidido, monocraticamente, isentar Aécio de prestar depoimento à PF em um dos inquéritos da Lava Jato. Em seguida, Aécio telefonou para Flexa Ribeiro para dizer que “um amigo nosso em comum” iria procurá-lo. Só numa república bananeira um juiz de suprema corte faz o papel duplo de julgador de réu e de seu cúmplice em negociação parlamentar.
Recorde-se, também, um segundo diálogo telefônico, também nada republicano, entre Gilmar Mendes e o então governador Silval Barbosa, de Mato Grosso, este envolvido em suspeitas de grossa pilantragem com dinheiro público. Mato Grosso é o estado natal de Gilmar Mendes. Barbosa teve sua casa invadida pela PF na Operação Ararath, ordenada por Dias Toffoli, do próprio STF. Vê-se, por este telefonema, que Gilmar já faz seu julgamento antecipado do processo e promete “falar” com o relator (Toffoli) que ordenou a operação de busca e apreensão. Isto, na vida dos cidadãos comuns, chama-se tráfico de influência. Uma vergonha que, se vinda de um membro de suprema corte de país civilizado, não ficaria impune. No mínimo, seria extirpado da corte e, quem sabe, fosse parar na cadeia. Aqui, neste país Tabajara, com esta Justiça mais Tabajara ainda, esta explicitação de tráfico de influência passou em brancas nuvens, e Gilmar Mendes ainda se considera com moral para julgar alguém “suspeito”. O Brasil é mesmo o país do faroeste em que o bandido caça o mocinho. E, na maioria das vezes, vence.
Só numa república bananeira um juiz de suprema corte faz o papel duplo de julgador de réu e de seu cúmplice em negociação parlamentar.
O Gilmar Mendes dos diálogos acima é o ministro que recentemente aproveitou a pré-candidatura de Sergio Moro e a saída de Deltan Dallangnol do MP para dizer à imprensa que “a política e os políticos devem comemorar a sinceridade. Se [eles] faziam política antes exercendo cargo de procurador e de juiz, agora o farão no campo certo, no campo da política, filiando-se a um partido político. Certamente terão de prestar contas do que fizeram no passado”.
Gilmar Mendes é o macaco a rir-se do rabo dos outros animais. Ele, Gilmar, tratando de salvar a pele de políticos corruptos, em decisão monocrática e em telefonemas que escancaram sua atividade política (e política suja, diga-se!), a criticar o ex-juiz Sergio Moro! Gilmar é, antes e acima de tudo, um inversor de fatos e narrativas. Gilmar age como o perfeito discípulo de Lênin que segue à risca o catecismo: “Acuse-os do que você faz, chame-os do que você é”.
Gilmar Mendes é o suspeitíssimo ministro a relatar, na suspeitíssima Segunda Turma do STF, sobre a “suspeição” do juiz Sergio Moro e, assim, liberar o Princeps Corruptorum, o Grande Canalha, Lula, para que este volte a constranger o Brasil decente com sua candidatura. Gilmar conseguiu seu intento acompanhado por Ricardo Lewandowski (alguma surpresa?) e Carmen Lúcia. Estes dois últimos são “juízes” togados no gabinete corrupto do próprio Lula, quando este era presidente da República.
A suspeição de Gilmar Mendes fica clara nos dois diálogos telefônicos colocados acima.
Devo explicar por que coloco Lewandowski na mesma gaveta de suspeição de Gilmar, mesmo que ao custo de tornar-me um pouco longo. Na Ação Penal 470, o julgamento do mensalão, Lewandowski colocou-se como o principal advogado dos criminosos do PT. Primeiro, como revisor, segurou o quanto pode seu relatório para dar início ao julgamento. Questionado por um repórter (eu assisti à cena pela televisão) sobre quando liberaria o processo, saiu-se com essa: “Esta é uma pergunta de um milhão de dólares”. Depois, explicou que primeiro tinha de receber o relatório do relator Joaquim Barbosa. Quando recebesse o relatório, precisaria de uns seis meses para estudá-lo. Só que, como apurou a imprensa, o relatório do ministro Barbosa já estava e continuava disponível na rede interna do STF havia mais de seis meses! Só isto já demonstra um caráter.
O que pretendia Lewandowski com este jogo? Simples: levar os processos à prescrição, que já estava próxima. Mesmo flagrado na malandragem, Lewandowski continuou sentado sobre os processos, enquanto a imprensa cobrava ação. Informações da época diziam que o ministro Ayres Britto, então presidente do STF, pôs o espertalhão contra a parede, ameaçando colocar os processos – mesmo sem seu relatório – em julgamento no plenário do STF. Só então, consta nas notícias da época, Lewandowski cedeu. Mas, de saída, adotou a tese do advogado Márcio Thomaz Bastos de que os processos deveriam ser fatiados, já que alguns acusados não tinham, ou haviam perdido, o foro privilegiado (caso, por exemplo, de José Dirceu, cassado que fora pela Câmara dos Deputados). Se isso fosse feito, com absoluta certeza muitos (talvez todos) processos prescreveriam, dada a morosidade da separação das causas, envio para os estados, sorteios etc. Felizmente esta tentativa de golpe baixo foi derrotada. Mas fica a memória da ação perniciosa contra a Justiça brasileira deste ministro de Lula e petista incorrigível.
Ao longo do julgamento, Lewandowski teve sérios atritos com Joaquim Barbosa, que queria abordar o processo por setores para explicitar o fluxo dos desvios de dinheiro. Lewandowski queria julgamentos individuais, como se os crimes não fossem correlacionados. No mensalão, Lewandowski raramente se comportou como ministro do STF; em geral agia como advogado dos réus petistas. Um comportamento vergonhoso!
Mas Lewandowski é mais conhecido como o flagelo da Constituição devido à sua atuação no processo de impeachment de Dilma. Vale a pena revisar este fato. Está na Constituição Federal: “Artigo 52. Compete privativamente ao Senado Federal: (...) Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”.
Veja-se bem o que diz a Constituição: “perda do cargo com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública”. “Com”, no caso deste parágrafo único, é conjunção subordinativa aditiva, como reconheceria qualquer bom aluno do ensino médio. Conjunção porque relaciona o que vem antes dela com o vem depois. Subordinativa porque subordina o que vem depois dela (“inabilitação, por oito anos”) ao que vem antes (“perda do cargo”). Aditiva porque soma o que vem depois (“inabilitação por oito anos”) ao que vem antes (“perda do cargo”).
Como já disse, qualquer bom aluno do ensino médio conhece esta simples análise gramatical. Não pareceu ser o caso do ministro Lewandowski. Se conhecesse a regra, não deveria ter permitido a aberração de permitir o impeachment de Dilma sem a inabilitação imposta pelo parágrafo único do artigo 52 acima transcrito. De qualquer forma, sabendo ou não, Lewandowski favoreceu a “companheira” Dilma. Lewandowski presidia aquela sessão exatamente para impedir que agressões à Constituição fossem perpetradas pelos senadores. Ele próprio cometeu a aberração que, por dever de ofício, deveria ter evitado. E ficou tudo por isso mesmo, até hoje.
Quanto a Carmen Lúcia, ela havia votado contra a suspeição de Moro, mas overnight, vencida sabe-se lá por que pressões, mudou de voto. Outra vergonha! É de fazer gente decente chorar de raiva.
Por conta desses três suspeitíssimos ministros, de cuja decisão não cabe revisão no plenário do STF, é que Lula ameaça a decência remanescente da Presidência da República do Brasil.
Dizer que o Supremo decidiu que Moro conduziu os processos contra Lula de forma suspeita é mentira de um cinismo aterrador: foram apenas três juízes do STF que decidiram esta barbaridade, dois deles (Gilmar e Lewandowski) suspeitíssimos. A declaração de suspeição de Moro me faz lembrar do julgamento de Galileu pela Inquisição, com a sentença final de prisão domiciliar perpétua. Aqueles santos “juízes” daquele santo tribunal da Santa Inquisição decretaram que era errada a descoberta experimental de Galileu de que a terra não é fixa no espaço, mas se move em torno do Sol (e não o contrário, como pregava a Igreja). Diz-se que Galileu, ante aquela sentença dos santos “juízes” do Tribunal do Santo Ofício, murmurou: “Eppur si muove” – a Terra se move, independentemente desta sentença.
Da analogia daquela sentença do Tribunal do Santo Ofício com a decisão dos três juízes do STF decorre que Moro pode, a exemplo de Galileu, dizer: “Mas, apesar do (suspeitíssimo) julgamento desses três ministros, o processo contra Lula correu justo e correto, como atestaram, além dele, outros oito juízes (três do TRF4 e cinco do STJ)”. E a nação honesta e pensante, que sempre desejou ver o Brasil passado a limpo, concordará, ipsis verbis, com Sergio Moro e chorará de vergonha com a injustiça da decisão (suspeitíssima, suspeitíssima!) de “suspeição” de Moro, decidida por aquele (suspeitíssimo!) trio de juízes do STF.
Esta “suspeição” mostra, mais uma vez e definitivamente, que o Brasil é o país do faroeste invertido, onde o bandido caça o mocinho e, não raro, o submete.
Ampliando a sentença de Gabeira, citada na epígrafe: Mendes, Lewandowski e Carmen Lúcia são três ministros absolutamente Tabajaras. Os três envergonham a suprema corte e o Judiciário brasileiro.
José J. de Espíndola é engenheiro mecânico, mestre em Ciências em Engenharia, Ph.D. pela Universidade de Southampton (Inglaterra), doutor honoris causa pela UFPR e professor titular aposentado da UFSC.