As primeiras semanas de junho marcam as celebrações do Dia Mundial do Meio Ambiente e do Dia Mundial dos Oceanos. Marcam também três meses de pandemia declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) pela Covid-19. Neste período, vimos as atividades econômicas diminuírem no mundo todo, com efeitos colaterais relevantes, como a diminuição expressiva da poluição do ar causada pela queima de combustíveis fósseis. Também vimos adequações nos hábitos, relacionamentos e consumo que devem mudar nossa cultura após a pandemia.
Parques, praias e espaços públicos seguem fechados ou funcionam com restrições. Um exemplo é o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, um dos nossos mais procurados destinos turísticos, atualmente com acesso às praias restrito a moradores locais. Por todo o país, várias áreas de recifes de corais, manguezais e berçários marinhos estão sem visitação.
Se em curto prazo a biodiversidade ganhou um respiro sem a presença dos turistas (especialmente em algumas atividades turísticas que ainda não respeitam limites ambientais), a médio e longo prazos a quarentena pode ter alguns efeitos colaterais indesejáveis sobre a vida marinha – por causa, vejam só, dos novos hábitos nas cidades.
A pandemia de Covid-19 exigiu a adoção de protocolos como o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), que incluem máscaras, aventais e luvas. Neste período, observou-se também um aumento exponencial dos serviços de delivery e comércio eletrônico, onde uma infinidade de embalagens são utilizadas para acondicionamento dos alimentos e/ou produtos. Nos dois casos, o efeito imediato é o aumento de resíduos hospitalares e domésticos, a maioria deles de uso único e descartável.
Sabemos que uma das principais implicações sobre a biodiversidade marinha é a poluição, bem como a diminuição da capacidade dos ambientes em se recuperar dos impactos negativos. A poluição por plásticos vem sendo tema de grande debate há algumas décadas: desde os padrões de consumo e produção de resíduos que deram origem à Grande Ilha de Lixo do Pacífico, descrita por Charles Moore em 1997, até o relatório do Fórum Econômico Mundial de Davos em 2016, que desenhava um cenário terrível de mais plásticos (em massa) do que peixes no mar até 2050.
Sem práticas eficientes de coleta e reciclagem, somados aos falhos sistemas de saneamento básico, consolida-se a ameaça aos sensíveis habitats costeiro-marinhos.
Esses e outros cenários compõem um quadro que exigirá esforços coletivos para a recuperação pós-pandemia, sob todos os aspectos. E um dos principais desafios é a adoção de uma economia cada vez mais azul.
O Banco Mundial define Economia Azul como o “uso sustentável dos recursos do oceano para crescimento econômico, melhoria na qualidade de vida e nos empregos, ao mesmo tempo que se preserva a saúde do ecossistema oceânico”. Lembramos que os serviços prestados pelo oceano naturalmente, como produção de oxigênio, captura de carbono, regulação climática global e seus respectivos valores culturais e da biodiversidade, compõem os elementos-chave para a sustentabilidade nas próximas décadas.
De acordo com a Marinha do Brasil, cerca de 80% dos brasileiros vivem a menos de 200 quilômetros da costa e 45% de todo o pescado do país vem do mar. Com um litoral de mais de 8,5 mil quilômetros, o uso racional e ordenado dos recursos fará diferença no futuro. Por isso, é urgente proteger os ambientes costeiros mais sensíveis, como manguezais e ecossistemas associados. Eles funcionam como verdadeiros berçários marinhos ao abrigar as formas iniciais de vida de muitas espécies com importância ecológica e econômica; atenuam os efeitos de eventos extremos (secas e enchentes); protegem a linha de costa; e também mantêm vivos a cultura e os saberes de comunidades tradicionais.
Há iniciativas em andamento para o planejamento e gestão sustentável do nosso litoral que precisam de amplo debate. Exemplo disso são a proposta da Lei do Mar (PL 6969/2013), atualmente em apreciação pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, que institui o Planejamento Espacial Marinho, e os Planos de Ação Nacional para suas espécies e ambientes (como os voltados aos manguezais, tubarões e raias).
Tudo isso reforça a importância da Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (2021 a 2030), uma grande oportunidade de conjugar esforços nos compromissos públicos e privados para a conservação marinha, combinados aos conceitos da Cultura Oceânica e dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas. Inspirados pelo slogan “a ciência que precisamos para o oceano que queremos”, todos os países, incluindo o Brasil, estão, neste momento, preparando-se para sua implementação que envolverá apoio à ciência, à criação de uma consciência marítima, à inovação e às sinergias entre diversos setores da sociedade para gestão sustentável dos ecossistemas costeiro-marinhos.
Todos esperamos sair mais conscientes desta pandemia, com hábitos mais saudáveis e com muitos aprendizados. É nosso compromisso também garantir que nosso ambiente, do qual mantemos uma forte dependência, saia mais resiliente. É crucial usarmos informações confiáveis para planejar e executar ações mais sustentáveis. E, com base no que sabemos hoje, podemos incentivar atividades econômicas mais adequadas, priorizar mercados locais e produtos que respeitem os limites da natureza, diminuir o uso de embalagens descartáveis, além, é claro, de acompanhar de perto ideias e políticas públicas que promovam a proteção da natureza.
Robson Capretz é ecólogo e coordenador de Ciência e Conservação da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. Liziane Ceschim Alberti é oceanógrafa e analista de Ciência e Conservação da mesma instituição.
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