Há algum tempo inúmeros analistas econômicos têm chamado atenção para a iminência de uma crise no sistema financeiro norte-americano. A dúvida que existia até a semana passada referia-se ao tamanho da crise e ao momento em que ela se manifestaria de uma forma mais clara. Pois bem, a crise chegou e é grave. Alan Greenspan, presidente durante dezessete anos do Federal Reserve (FED), o Banco Central americano, disse que este é o tipo de crise que acontece a cada cinqüenta anos, quando não a cada século.

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A origem desta crise encontra-se no brutal processo de desregulamentação que caracterizou o sistema financeiro internacional, particularmente o norte-americano nos últimos vinte e cinco anos. Sob a égide da eficiência dos mercados e de sua capacidade de auto-regulação foram promovidos processos de desregulamentação que, na prática, ampliaram o poder de decisão do sistema. Os acordos da Basiléia, neste sentido, pouco ajudaram para a real estabilidade do sistema financeiro internacional.

O ponto de partida da crise se encontra na formação de uma bolha no preço dos imóveis nos Estados Unidos. Com crédito abundante e taxas de juros extremamente baixas, as famílias entraram num jogo especulativo. Comprava-se um imóvel na expectativa da elevação do seu preço. Com o ganho do início do processo, um imóvel mais caro era comprado na seqüência. Tudo financiado por crédito abundante e barato. Quando o mercado percebeu que o preço dos imóveis estava alto demais já era tarde. Para os bancos, que tinham nas hipotecas dos imóveis a garantia do valor emprestado, o resultado concreto foi o aumento da inadimplência e a conseqüente incapacidade de honrar seus compromissos financeiros.

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Nestas duas últimas semanas é que chegamos de fato ao olho do furação. Tornou-se evidente que a crise do sistema financeiro norte-americano não está restrita apenas às instituições especializadas do setor imobiliário. A concordata do Lehman Brothers é a prova final de que se trata de uma crise muito mais profunda e que atinge o coração do sistema financeiro norte-americano e mundial. Estamos falando de uma instituição que tinha em ativos aproximadamente US$ 639 bilhões e que somente na semana passada perdeu 77% de seu valor de mercado. A Merrill Lynch, que o mercado tenta ainda salvar, tem em ativos algo em torno de US$ 1 trilhão.

A concordata da Lehman Brothers marca também uma mudança do comportamento do FED. Pela primeira vez desde que a crise foi inaugurada, o Banco Central americano permitiu a quebra de uma instituição de grande porte. Trata-se de uma aposta perigosa já que o preço deste ajuste não é, a priori, previsível. O efeito sobre o mercado financeiro foi brutal. Uma violenta onda de liquidação varreu o mundo todo. A queda de 7,6% da Bovespa é um reflexo deste processo.

Felizmente, neste momento, o sistema bancário brasileiro apresenta-se sólido e com frágeis relações diretas com as principais instituições envolvidas na crise. Isto não significa que o Brasil ficará imune a esta crise. O sinal da economia mundial mudou de vez. A queda no ritmo de crescimento americano já é uma realidade e tende a se aprofundar. Com crescimento mundial menor, o ritmo de expansão de nossas exportações tende a diminuir. Outro agravante é que neste momento de crise, o Banco Central do Brasil deverá manter a sua política de elevação da taxa de juros doméstica, reduzindo, portanto, o potencial de crescimento do consumo e do investimento.

O capitalismo não vai acabar (como alguns gostariam), mas certamente a partir desta crise deve recrudescer o debate sobre a capacidade de auto-regulação dos mercados, especialmente dos mercados financeiros. A idéia de que a economia se ajusta automaticamente, através do funcionamento da "mão invisível" do mercado, nunca esteve tão longe de representar o mundo real, sobretudo o mundo das finanças especulativas.

Marcelo Curado, doutor em Economia pela Unicamp, é professor na UFPR.

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