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Não procede a tese do governo de que o Senado, ao analisar a denúncia ofertada em face da presidente da República, estaria limitado às pedaladas fiscais e aos decretos de 2015. O pedido de impeachment é bastante completo: engloba o petrolão, as pedaladas de 2014 e 2015 e decretos abrindo crédito não autorizado pelo Congresso Nacional.

É bem verdade que os fatos ocorridos em 2015 já seriam suficientes para afastar a presidente. No entanto, olhar para 2014 é fundamental, pois foi nesse ano que a presidente (também candidata) praticou todo tipo de ilicitude para garantir a reeleição, mentindo reiteradamente para o povo, independentemente de classe social.

Primeiramente, deve-se destacar que, ao admitir a denúncia, muito embora tenha feito expressa menção aos fatos de 2015, o presidente da Câmara, na parte dispositiva, escreveu: “recebo a denúncia”. Ora, quando se estuda processo civil e penal, se aprende que é a parte dispositiva (final) de uma decisão que transita em julgado, ou seja, é essa parte que vale. Se quisesse receber a denúncia parcialmente, Eduardo Cunha deveria ter escrito isso de maneira clara.

A nação precisa trocar a novela pela TV Justiça e acompanhar, no detalhe, as falas dos ministros do STF

De todo modo, em dezembro de 2015, o STF decidiu que o Senado Federal não poderia ficar submetido ao entendimento da Câmara dos Deputados, tanto que determinou competir ao Senado analisar a denúncia e instaurar o processo. Ora, se o STF disse que o Senado não está submetido à Câmara, impossível pretender, agora, sustentar que o despacho de Cunha delimitaria o âmbito de análise dos senadores!

Saindo da perspectiva jurídica, que já seria suficiente a evidenciar ser absurda a pretensão governamental, cabe jogar luz sobre mais um paradoxo deste governo. Ao mesmo tempo em que brada que o impeachment é “golpe” por ter sido encaminhado ao deputado Cunha (que é autoridade competente, por presidir a Câmara), exige que a análise da denúncia se circunscreva à primeira manifestação de referido parlamentar. Em outras palavras, na avaliação do governo Cunha não teria legitimidade para iniciar o processo, mas nenhuma outra autoridade pode discordar de sua primeira impressão sobre os fatos. Se não fosse triste, seria hilário!

Resta evidente que o governo muda sua estratégia a depender de suas necessidades. A sociedade precisa ficar atenta a mais esse estranho movimento! Muito provavelmente, novas medidas infundadas serão levadas ao Supremo Tribunal Federal, com o fim de suplantar a separação dos poderes. A esse respeito, cabe reforçar que ao Supremo Tribunal Federal compete o julgamento do presidente da República pelos crimes comuns; ao Senado Federal compete o julgamento do chefe máximo da nação pelos crimes de responsabilidade. Qualquer flexibilização dessa norma, sim, implicará golpe.

Neste momento decisivo, a nação precisa trocar a novela pela TV Justiça e acompanhar, no detalhe, as falas dos ministros. Peço aos guardiães da Carta Magna que tenham o cuidado de falar de forma acessível, para que a população possa compreender o que efetivamente se passa.

O ministro Ricardo Lewandowski, grande professor, com quem tive a honra de aprender Teoria do Estado, terá a histórica oportunidade de ensinar, na prática, que até mesmo o presidente do Supremo Tribunal Federal precisa se curvar diante da Constituição Federal.

Janaina Conceição Paschoal, advogada e professora livre docente de Direito Penal na USP, é coautora do pedido de impeachment da presidente da República, ao lado de Hélio Bicudo e Miguel Reale Júnior.
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